SAUDADE
I
Ontem foi e já parece
Que foi há tanto tempo, pobre criança!
Que em nossos lábios se esfolhou a prece
Tão cheia de esperança!
Doira o luar as escarpas.
Trazia o vento passando
Sons remotíssimos d'harpas.
Tinha a brancura o luar
De uma toalha de altar.
Caía o sereno frio
No cálix roxo do lírio;
E do relento ao martírio
Sonhavam as açucenas
Alvas, da alvura das penas
Da garça triste do rio.
Lembrei-me de ti, pudera
Meu coração desgraçado
Dar vulto à minha quimera!
Tinha-te, santa, a meu lado.
Ora hoje estes versos lendo
Podes sorrir, não me importa.
Trago minh'alma contendo
Somente a esperança morta
E sonhos que vão morrendo.
Mágoas que canto ao luar,
Queixas que desfolho ao vento
Lá quando apraz-me cantar
Ao relento.
Que te dizem? Que te importa?!
Trago minh'alma contendo
Somente a esperança morta
E sonhos que vão morrendo.
II
A neve do esquecimento
Que cai dia a dia some
Do meu carinho a esperança,
Como de tua lembrança
O meu nome.
Almejo em dias remotos
Ver-te, já quando não for
Mais que impalpável visão
Longínqua recordação
Nosso amor,
Para ver se impunemente
Posso fitar os teus olhos,
Como planta dolorida
Que já de tanto ferida
Não sente pisando abrolhos.
Mas esse desejo que eu
Guardo e o tempo não consome
Só quando eu sentir do meu
Peito voar a esperança
Como de tua lembrança
O meu nome.
III
Coração de mágoas cheio
Por que volves ao passado?
Guarda as saudades no seio
O triste e nobre legado
De teu amor, teu enleio...
Malfadado!
E acaso podem lembranças
Amarguradas, pungentes
Dar vida a mortas esp'ranças?
Ah! coração! coração!
Guarda os teus sonhos dementes!
Evita a recordação,
Coração!
Saudades! roxos lilases
Que ficam da primavera
Da mocidade,
Doce perfume esvaído
No ambiente cálido e mudo
Que em tudo vive e de tudo
Faz saudade!
Folha no outono arrancada
Pelo vento ao galho amigo,
Acha na poeira da estrada
Seu jazigo.
Nestes versos doloridos
Anda ninh'alma dispersa;
Prantos, saudades, gemidos,
(Estranha sorte adversa!)
Sem o teu carinho amigo
Hão de morrer no abandono,
Dormindo ao frio relento
Na poeira do esquecimento
O eterno sono!
Folhas caídas no outono...
* * *
SILHUETA MÍSTICA
Nos lilases da tarde
Tristonho, o dia pávido esmorece,
Como o som de uma prece
O sol descamba num poente que arde...
Sobre o dorso da serra a luz serena,
Tranqüila e meiga, lentamente cai;
Plena de luto, de saudades plena...
A voz de um sino trêmula se esvai.
Ave-Maria! Para o céu se eleva
A alma dos crentes religiosa e mansa,
Nos santos-óleos místicos da Esp'rança
Ungida e resignada...
Cai a treva.
Mãos postas, fixo e dolorido o olhar
A criança reza junto à mãe que a ensina;
Reza o anjinho para se ir deitar.
Ao portal apoiado
O pai os braços cruza e a fronte inclina...
.................................................................
Geme o vento nas frinchas do telhado...
Levanta-se a criança,
Beija a calosa mão do homem que a olha
Com a sua ternura rude e mansa.
Ninando o infante, a mãe meiga desfolha
Notas de uma cantiga.
Versos e sons que outrora ela aprendera
Da vida na rosada primavera,
Saudosa quadra relembrada e antiga.
.............................................................
Dorme a criança, e a mãe inda a canção
Continua a cantar...
Clareia o canto o luar do coração...
..............................................................
Fora não há luar.
* * *
SIMPLES DESEJO
Quando eu, morto, um dia, quando
Tu fores ao meu jazigo,
Tu que amei, passa cantando
Sobre quem sonhou contigo.
Pise a terra do sepulcro
Onde eu repouse, teu pé;
E ria teu lábio pulcro
Como quem sente e não vê.
Não magoes as mãos de neve
Plantando lírios e rosas:
Passam as flores em breve
Como as inscrições das lousas.
Canta e ri. Bênçãos, piedades
Tenham teu riso e teu canto:
Riso – piedade do Pranto,
Canto – choro das saudades!
* * *
SÓ
Que luta atroz a que eu sustento, quando
À noite velo no meu quarto, e escuto
O coração gemendo e blasfemando,
Órfão de tudo, sob os véus do luto.
Lá fora o vento passa esfuziando;
Cai o orvalho da noite; aqui, enxuto,
Lento, o silêncio desce, amortalhando
O meu tormento atroz e absoluto.
Abro um livro, passeio, fumo, escrevo,
Medito e sonho; e a minha noite levo
Insone, e deito-me ao romper da aurora.
Ergo-me pálido e desesperado
Do sono cataléptico, acordado,
E vou, maldito, pela vida afora!
* * *
SOB AS ÁRVORES
Arvores velhas, árvores amigas,
Venho doente à vossa sombra orar,
Longe das tramas, longe das intrigas,
Ajoelhar-me sob o vosso altar.
Tendes pássaros, sombras, harmonia,
Perfume, flores, que feliz que sois!
Hoje acolhei minha melancolia
Que as minhas mágoas curareis depois...
Dizei aos vossos músicos alados
Que venham todos; não dispenso as rolas,
Aos malmequeres mandarei recados,
Mandarei emissários às papoulas.
As trepadeiras matinais, cheirosas,
E o lírio branco, minha flor dileta,
Venham entre canções deliciosas
Ouvir as canções más de um mau poeta.
Eu não vos contarei a minha história,
– Não quero envenenar vossa alegria!
A vossa fica e a minha é transitória
E soluçada como uma elegia.
Tendes amores castos, religiosos,
Noivados eterais à luz do luar,
Luas nupciais de bons esposos,
E beijai-vos de dia sem corar.
Ao passo que em nós outros, desgraçados!
Mal balbuciam nossos corações,
Vamos morrendo aos poucos, arrastados
No turbilhão medonho das paixões!
Enquanto o mundo, vórtice medonho,
Tudo reduz a pó no embate rude,
Nada perturba o vosso puro sonho,
A vossa paz, a vossa angelitude!
Ó flores, entornai vossa alegria,
Sarai com ela minhas negras penas,
Curai-me d'alma esta melancolia
Com junquilhos suaves e açucenas.
Ó árvores viris, cheias de vida,
Com vossa sombra e protetora essência,
Cobri, – ave sem pouso e sem guarida, –
Minha pálida e triste adolescência.
Que para isso, ó árvores amigas,
Venho doente à vossa sombra orar...
Longe das tramas, longe das intrigas,
Ajoelhar-me sob o vosso altar!
* * *
SOMBRA E LUAR
Ai, Santa, quantos pesares!
Ai, anjo, quanta amargura!
(E a sombra baila nos ares,
E a lua cisma na altura.)
Se te amo?! Pergunta à lua,
Pergunta à noite que desce!
(E o luar no céu flutua,
E a sombra desaparece.)
Se sofro?! Interroga o mar
D´água, que os olhos me ensombra!
(E a sombra cobre o luar,
E o luar chora na sombra.)
Vês?! O vento arranca a flor,
Desfolha-a... A mágoa é o vento...
(E o luar é o resplendor
Do Deus Menino ao relento.)
Crês? Eu creio. À noite sonha
Minh’alma com o teu olhar...
(Já não há sombra que ponha
Prantos na face do luar.)
Minh’alma abrace-se à tua...
É a onda abraçando a espuma!
(Os anjos bailam na lua
E a sombra chora na bruma.)
Cismas? Camélia gelada,
Tua fronte empalidece...
(À lua – a hóstia sagrada –
Eleva a sombra uma prece.)
Amas? Vê: meu coração
Procura um seio... tem pena!
(Semelha o luar na amplidão
O cálix de uma açucena...)
Mas, tu não falas, senhora!
Se tu amasses... talvez!
(Em minh’alma brilha a aurora
Nas chagas que a dor lhe fez!
E o meu amor vive e chora
Por ti! Que importa? Não vês!
(Pelo frio azul afora
Vai o luar, que palidez!)
Sombra e luar vão-se embora
Só fica a tua mudez!
* * *
SPLEEN
Galé da vida, vou passando os dias,
Dias cruéis de desespero e tédio!
E da tristeza o rancoroso assédio
Mata-me n'alma a flor das alegrias.
Spleen constante, negras vagas frias
Da dúvida! onde um bálsamo, um remédio?
Coração que naufraga, quem impede-o
De se afundar no mar das agonias?!
Fantástico mineiro, eu desço, à noite,
Ao fundo do meu ser, ao triste açoite
Do vento acerbo da Desolação!
Profunda queda! perdição sombria!
Subo chorando ao monte da Utopia
Morta entre as ruínas do meu coração!
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