sábado, 29 de agosto de 2009

Poemas com a letra R




REFÚGIO ETERNO

Pois que a vida é um sonho à-toa
Pelo deserto do mundo,
Árido, triste, infecundo,
Onde a alma cansada voa;

Pois que da alegria imensa
– Herança do nosso berço –
Fica o amargor da descrença,
Sombra do nosso Universo;

Pois que o lábio que Deus fez
Para a alvorada do beijo
Tisna a mentira, e a tez
Exibe o impudor e o pejo;

Pois se a mão que nos afaga
Hoje, amanhã nos açouta,
E a idéia é como uma vaga,
E o crânio uma vela rota;

Pois se a noite da traição
De trevas horrendas, mudas,
Ri-se de Cristo e Catão
E elege um tirano: Judas;

Pois se Deus, o eterno sábio,
Permite (que enigma atroz!)
Que a idéia morra no lábio
Como a verdade na voz;

Se tudo tomba, naufraga,
Da vida nos vagalhões;
E a espuma desfaz a vaga,
E as dores as ilusões,

Se nesta maré maldita,
A alma – concha de luz –
Mal pode pálida e aflita
Buscar o farol da Cruz;

Se tudo mente, atraiçoa
Aqui, se tudo é mentira,
Poeta! abraça-te à lira,
Alma – abre as asas e voa,

Rasgas das nuvens o véu
Corta o Oceano do azul,
E vai, andorinha exul,
Fazer teu ninho no céu.

* * *


ROMÂNTICO

Eu conheci em tempos idos
Um bom rapaz, modesto e nobre,
D'olhos leais e refletidos,
Um nada ingênuo e um nada pobre.

Amigo certo: na hora extrema
Entre as procelas do perigo,
Ele mostrava o oiro, a gema
Do coração de um bom amigo.

Sóbrio e robusto como um cedro,
Tinha a altivez de uma alma honesta,
Nunca negou como S. Pedro
Na hora trágica e funesta.

Tudo naquela construção
Era de boa qualidade:
O verbo, o pulso, o coração,
Até a própria ingenuidade.

Sempre pacífico e tranquilo
Nunca passou além da meta;
E até possuía um bom estilo
E inspirações de um bom poeta.

Eis se não quando o ambiente cálido
Tolda-se a esse independente,
À cor fatal de um rosto pálido
E ao fogo de um olhar ardente.

Dera-se o caso que eu lastimo
Um caso ser dos mais triviais:
Vira uma moça, um beijo, um mimo,
E apaixonou-se, nada mais.

Somente o bom e heroico moço
Pôs-se a construir casas no ar;
Cada castelo era um colosso
Que ninguém pode imaginar.

Balcões abertos ao luar
Com madressilvas e jasmins,
Até escadas para trepar
Feitas de seda... e bandolins.

Tantos projetos ideais
Como de vagas tem o Atlântico,
Pois o infeliz, além do mais,
Trágico fim! Fez-se romântico.

Passava as noites ao relento
Com os olhos fitos na janela
Aonde apenas um momento
Tomava o fresco a sua bela.

E enquanto os outros mais felizes
Tinham palestras animadas
Com ela, o rei dos infelizes
Cantava ao luar canções magoadas.

Julgou-se nobre e grande e belo
(O que fazia a tal escola!)
Que aparelhou-se de um cutelo
E usava capa à espanhola.

Assim o grande desgraçado
Tantas asneiras praticou,
Até que enfim viu-se arruinado
Como um navio que encalhou.

E quando a moça, há muito farta
Já de aturá-lo, foi casar-se,
Ele enviou-lhe numa carta:
A maldição pra suicidar-se.

Porém num ímpeto leonino,
Resto de orgulho, inda arrancou-se
À garra adunca do destino
Que tanto tempo atado o trouxe.

Ah! quis viver para ser homem!
Mas, tanto olhava e suspirava
Que novas mágoas o consomem
Vendo-se vivo com tal cara.

Pois o infeliz que se viu salvo
Do romantismo ao vírus rábico
Viu que ficou, além de calvo,
Com a boca torta e o olhar estrábico...

           * * *


     ROMARIA DOS SONHOS

                     I
Romaria dos sonhos, onde vais
Por estas noites calmas e piedosas?
De quem houveste as asas virginais
Que te elevam às coisas luminosas?

Debalde a Dor reclama-te, não cais!
E vais subindo às plagas gloriosas,
Te vestindo de coisas ideais:
Lírios, jasmins, angélicas e rosas.

                     II
Romaria dos sonhos do passado
Por que buscas as névoas do presente?
Por que deixaste o tálamo sagrado
Onde dormias pálida e doente?

Volta ao teu leito, doida impenitente,
De saudade e tristeza perfumado.
Deixa a luz do luar brando e clemente
Mais branco que uma alcova de noivado!

                    III
Bates as asas trêmulas, inquietas,
Doce inocente, doce peregrina,
Como brancas e leves borboletas
Em derredor de um cálix que se inclina.

Segues na correnteza cristalina
Das tuas vãs aspirações secretas,
E a luz que te incendeia a azul retina
É a que incendeia o cérebro dos Poetas.

                    IV
Por que sobes vaidosa e confiada
Pra onde não há pouso e lenitivo,
Se tens de regressar dessa jornada
Cheia de tédio ao leito primitivo?

Antes repouses pálida e cansada
Buscando no passado um paliativo...
Romaria dos sonhos, malfadada,
O teu destino é o de um balão cativo!

               * * *


                   RUÍNAS

Quando, solene e grave, a vigília angustiosa
Vem despertar a Dor que dorme no meu peito,
E vejo-te passar, pálida, silenciosa,
Triste visão gentil de meu sonho desfeito;
Oh meu altar de crença! Altar branco e risonho
Do meu amor que foi e não mais voltou, não!
Quando na insônia vens visitar-me suponho
Que és a mesma que eu trouxe a rir, no coração!

                  * * *


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