PARA ALGUÉM
Da tua boca, encarnação do Belo,
Suspensa está minh'alma ansiosa e louca:
Suspenso está tudo que almejo e anelo
Da tua boca.
Do teu sorriso cândido e suave
Pende meu ser em ânsias, indeciso,
Sempre que escuto o doce canto da ave
Do teu sorriso.
Do teu olhar leal um raio implora
Minh'alma e canta quando o vê baixar,
Pois ela vive dessa luz, Senhora,
Do teu olhar.
Do teu amor a pérola mimosa
Meu coração inunda de fulgor;
Ah! dá-lhe um pouco, ó pálida formosa,
Do teu amor.
* * *
PARA ESCREVER
Mergulho a pena no tinteiro... cismo...
Em quê? e a pena entre os meus dedos presa,
Como uma alma suspensa sobre o abismo
Da Dor, treme de frio e de surpresa.
Caos de pensar! Nevoeiros da incerteza!
Silêncio! Calmaria!... atroz mutismo!...
E o coração é uma fornalha acesa,
Uma cratera a vomitar no abismo!
E neste vácuo, neste desespero,
Quero debalde, inutilmente quero
Dizer... nem sei o que dizer, Jesus!
Tenho o mar sob o peito e a tempestade
N’alma, e sou mudo! Ó santa, tem piedade!
Surge, beija-me e diz: – faça-se a luz!
* * *
PARA ESCREVER
Mergulho a pena no tinteiro... cismo...
Em quê? e a pena entre os meus dedos presa,
Como uma alma suspensa sobre o abismo
Da Dor, treme de frio e de surpresa.
Caos de pensar! Nevoeiros da incerteza!
Silêncio! Calmaria!... atroz mutismo!...
E o coração é uma fornalha acesa,
Uma cratera a vomitar no abismo!
E neste vácuo, neste desespero,
Quero debalde, inutilmente quero
Dizer... nem sei o que dizer, Jesus!
Tenho o mar sob o peito e a tempestade
N’alma, e sou mudo! Ó santa, tem piedade!
Surge, beija-me e diz: – faça-se a luz!
* * *
PELO PAÍS DO SONHO
Quando há de o dia esplêndido chegar
Dos nossos sonhos vermos realizados?
Se bem que sempre unidos a esperar
Já há tanto tempo andamos separados!...
Pelas noites de luar, religiosas,
Visionário louco, eu devaneio:
Em minhas mãos as tuas mãos formosas,
Pendida a minha fronte no teu seio.
O meu olhar mergulha em teu olhar,
Teu meigo olhar de rola amante e casta,
Que as minhas dores para longe afasta
E mais me eleva para mais te amar!
Moves os lábios púrpuros, medrosos
Da cálida saraiva de meus beijos,
– Rosas abertas, cheias de desejos,
E de promessas de esquisitos gozos.
Sacode a aragem teu cabelo aos ombros,
Espalha-o, beija-o, leva-lhe os aromas,
E deles faz um círculo de assombros
Para guardar as tuas níveas pomas.
E o luar no céu, a contemplar ciumento
Do nosso idílio as alegrias mansas,
Diz que somos, expostos ao relento,
Duas traquinas, cândidas crianças.
Um convite em meu lábio se insinua:
– É tarde, vamos, meu amor... e ouvindo
Olhas-me e coras... No entretanto a Lua
Vai pelo azul, maliciosa! rindo...
....................................................................
É este o sonho que perfuma e aquece
Meu coração pelas noitadas frias,
Quando do leito virginal envias
Para Nossa Senhora a tua prece.
* * *
PERDÃO
Perdão! alma de flor mimosa e pura,
Dilacerada pelo sofrimento!
Perdão, meiga e radiosa criatura,
Por tua mágoa, pelo meu tormento.
Perdão! e a minha voz endolorida
Suba como uma prece a ti, perdão!
Num lamento de alcíone perdida
De longes mares pela solidão!
Meiga senhora pálida e mimosa,
Meu verso chora dolorosamente,
Como a queixa sentida de uma rosa
Ao sol que a queima rúbido e fremente.
Meu amor que soluça ajoelha e eleva
Para ti esta súplica: Perdão!
Treno que passa e vai de treva em treva
Rolar de coração em coração.
* * *
PEREGRINA
Vem de longe talvez, talvez de perto,
Não sei donde ela vem. Por entre a bruma
Do seu mistério íntimo, ressuma
Um poema de dores, encoberto.
Faz-se em torno de si como um deserto
D’onde fugiu toda a alegria em suma,
E uma saudade imensa se avoluma
No seu olhar de um brilho vago, incerto.
Canta ao piano, à noite, umas baladas
De umas doces tristezas perfumadas,
De uns versos melancólicos, tristonhos...
E vêm-lhe d’alma no tropel das notas,
Pedaços, restos de utopias rotas,
Tristes fragmentos de um colar de sonhos.
* * *
PEREGRINANDO
Perdoa se fui quebrar
A tua paz, o teu sono,
Mas custava-me esperar
Neste sombrio abandono,
Ó rosa do meu outono,
Que tu quisesses voltar.
Cansado, exausto, o olhar
Amortecido do pranto,
Pus-me a cismar, a cismar
Por que assim tardavas tanto...
Tinha a tristeza, o quebranto
Vago, profundo do mar!
A andorinha volta ao lar
Se baixa a noite sombria,
Ó andorinha sem par,
Por que não voltas, dizia...
Nem me o vento respondia,
Nem respondia o luar.
Por isso, a peregrinar
Fui-me por essas estradas;
Tardo romeiro a cantar
Antigas loas sagradas,
Caminhando às alvoradas
E repousando ao luar.
Ao roxo crepuscular
Solene da imensidade,
Sentia em mim soluçar
A juriti da saudade,
Sentida dessa orfandade
Que lhe deixou teu olhar.
E no meu peito a estourar
As ondas do meu desgosto!
Se a noite vinha a baixar
Ou fosse treva ou sol posto,
Sem o luar do teu rosto,
O clarão do teu olhar!
Enfim criança, ao penar
De dias, dias e dias
Sucedeu o desbrochar
Das rosas das alegrias:
Pra longe, melancolias!
Achei-te, meu nenufar!
Cheguei. Ao longe alvejar
Vi a Terra Prometida,
Era tempo de estancar
O sangue desta ferida.
Ó rosa da minha vida,
Ó santa do meu altar!
Tens belos olhos a olhar,
Achei-os tristes, sentidos...
Ó quem me dera chorar
Sob esses sóis tão queridos
Meus sonhos de oiro perdidos
Nos desertos do pesar!
Ó minha estrela polar!
A tua luz esqueci
O meu constante penar,
Tantas dores que sofri,
Tantas noites que perdi
Que nem as posso contar!
Mas, pra que serve chorar?
Eu pressenti vagamente
Alguma coisa no ar
A me dizer tristemente
Que o teu amor já no poente
Estava pra se ocultar.
Escuta: no bravo mar
Da vida, achei-me sozinho,
Sem lua para aclarar
A noite do meu caminho,
E fui-me a rir... pobrezinho!
A rir... para não chorar!
Trazia uma ave a cantar
Idílios dentro de mim,
Como as sereias do mar
Por essas noites sem fim...
Cantigas lindas assim
Só eu as pude escutar!
Mas vi um dia brilhar
Sobre meus olhos teus olhos,
Pus-me a cismar, a cismar
Que eram mau sonho os escolhos,
Uma quimera os abrolhos
E uma verdade esse olhar.
E vi o tempo passar
Sereno, tranqüilamente,
A aurora sempre a fitar,
Sem nunca pensar no poente.
Ah! desse sonho inocente
Tarde quisera acordar!
Mas hoje... não vás pensar
Que me queixo nestes versos,
Vendo frio o teu olhar
Vendo meus sonhos dispersos...
Nossos trilhos são diversos...
Vai tu que eu fico a esperar.
Choras? Desponta o luar
Da saudade? É cedo... Chora!
Sabe o tempo acalentar
A dor que sentes agora...
Diz-se adeus e mar em fora
Deixa a gente de chorar!
Eu fico para guardar,
Para que o pó não consuma,
As per'las desse colar
Inda mais brancas que a espuma,
Que eu roubei uma por uma
Ao cofre do teu olhar!
É bem doce o viajar
Atrás de um sonho, querida;
Mas é bem triste voltar
Com a crença desvanecida!
.................................................
Fui-me a buscar minha vida
E trouxe a morte ao chegar!
* * *
POBRE!
Diz essa gente que te vê curvada
Continuamente, ó meiga criatura,
Para o cesto da alvíssima costura,
Que és pobre, e que por isso és desprezada.
Por isso mesmo eu vejo-te acanhada
Entre as outras buscando a mais escura
Penumbra, inútil para tanta alvura,
E pra tanta beleza ignorada.
Ignorada, sim, minha açucena;
Ignorância que me causa pena
E me faz rir ao mesmo tempo, louca!
Pois eu bem sei o quanto és rica, eu sei-o:
Se tens só duas pérolas no seio,
Tens um milhão de pérolas na boca!
* * *
POEMAS ÍNTIMOS
Muita vez a cismar me fico horas perdido
Em teus olhos leais, meu único tesoiro!
E o meu ser se embriaga e tomba adormecido
Nas ondas triunfais do teu cabelo loiro.
E da cisma por sobre o lúgubre cairel
Tua imagem bendigo, e adoro-te, criança,
A ti que me orvalhaste a murcha flor da esp'rança
E me saraste d'alma a ferida cruel!
Na abóbada sem luz da minha mocidade
Quando assomaste a rir, ó sol de minha crença!
Minh'alma ajoelhou e a noite da saudade
Mudou-se para mim numa alegria imensa!
E hoje, quando cismo, o coração ferido
Procura o teu olhar, meu único tesoiro!
E meu ser se embriaga e tomba adormecido
Nas ondas triunfais do teu cabelo loiro!
* * *
POEMAS NOTURNOS
Vai tarde a noite. Todo o azul cintila
Como uma azul nostálgica pupila.
Vão as estrelas como virgens louras
No terraço do céu passeando e rindo,
As amplidões profundas, sonhadoras,
As longas tranças d'oiro sacudindo.
E com a paz magnânima de um crente
Reza o Silêncio taciturnamente.
Para as bandas do sul as nuvens correm
Como blocos de gelo sobre o mar;
Brancas, tão tênues que de tênues morrem;
Cansa-se a vista para as alcançar.
Gemem do vento as quérulas surdinas
No órgão melancólico das ruínas.
Uma estrela destaca-se, brilhando
Mais do que as outras, luminosa e bela;
E eu fico ansioso e trêmulo cismando
Ó minha amada, se é a tua estrela.
Pálida, corta a Estrada de Santiago
O céu profundo, acinzentado e vago.
Tudo o que eu vejo em cima é triste e doce,
Misteriosamente concentrado,
Como se acaso tudo em cima fosse
Como o meu peito pela dor trancado.
Na imensa aquosa solidão dos mares,
Quantos nautas cismando nos seus lares!
Esses têm lares e eu não tenho, olha,
E também vou sobre este mar, querida,
E o malmequer que, pálida, desfolha
A tua mão é mais do que eu com vida!
Do azul longínquo vai a lua em meio,
Monja da noite de rosário ao seio.
Vai longe a noite; quem me dera o dia!
Estou cansado desta solidão...
Ó sol, acaba esta melancolia
Que a lua deixa no coração.
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