sábado, 29 de agosto de 2009

Poemas com a letra D




        DE VIAGEM

Há pouco findou-se o dia;
Desce a noite e se apresenta
Calma, pesada e sombria,
Hirta, brutal, macilenta.

Um manto de sombras densas,
– Frio capuz de tristeza,
Cobre toda a Natureza
Com suas dobras imensas.

Nos ermos mansos, tristonhos,
Nas amplas várzeas desertas,
Como fantasmas de sonhos,
Vagueiam Sombras incertas.

Tênues, ignotos aromas
Vêm das florestas dormentes,
E os arvoredos gementes
Agitam de leve as comas.

A lua, alva flor de prata,
Fria camélia ao relento
Deixa cair em cascata
Seus raios do firmamento.

A fria, trêmula aragem
Vai deitando em rodopio
As folhas secas da margem
Sobre a corrente do rio.

E a estrada, a caracolar,
Se mostra, e desaparece,
E ao caminheiro parece
Branca serpente ao luar.

Gritos e pios das aves
Noturnas juntar-se vêm
Às notas sentidas, graves,
Que o seio da noite tem.

Uma tristíssima cruz
Ereta ao lado da estrada,
Modesto emblema, traduz
Uma desgraça ignorada.

E um mocho naquele emblema,
– Oliveira daquele horto, –
Nobre piedade suprema!
Vela sobre o infeliz morto.

Mas a noite vai passando,
Não tarda que cante o galo...
No entanto sobre o cavalo
Eu vou cismando, cismando...

Cismando em eras passadas,
Arrojando a fantasia,
Louca, furiosa, erradia,
Através destas estradas.

Em meus revoltos cabelos
O frio sopro do vento
Deixa a umidez do relento
E leva-me os pesadelos.

A longos haustos sensuais,
Cheio de um íntimo gozo,
Sorvo este ar generoso
Que a madrugada me traz.

E esta frescura amaviosa
Que o peito em brasa me invade,
Leva-me e a dor tenebrosa
Toda diluída em saudade!

Ouve-se o canto do galo
E a aurora vem despontando...
E triste, sobre o cavalo
Eu vou cismando, cismando...

                  * * *


             DESLUMBRAMENTO

Por sobre nós o azul silenciosamente
Se arqueia, ébrio de luz, de paz, de sons, de amor,
E apenas da águia errante a asa viril e ardente
Põe naquela cor casta a nódoa de outra cor.

Vê-se ao longe esverdear melancolicamente
Das montanhas senis os flancos onde o ardor
Do sol retine e bate irresistivelmente,
Penetrando-lhe a entranha e haurindo-lhe o frescor.

No entanto a águia possante, as asas espalmadas,
Sobe, até que sentindo as penas abrasadas
Volta e procura a serra, exausta de vigor...

Também minh'alma um dia ao azul puro e radioso
Abriu o cálix branco ébrio de amor e gozo,
Para depois fechá-lo ermo de gozo e amor!

                        * * *


                     DOENTE

Dores, angústia, insônia, ansiedade, frio!...
E é meio-dia, ó sol! ó mocidade exausta!
Tal como o vento arranca ao lago um arrepio
Arranca o ocaso o pranto à tua estrela infausta!

Luar dos mortos, morto e frio como o gelo,
Ó lágrima do sol suspensa da amplidão!
Eu te abomino, luar! Meu Deus, custa-me vê-la
Como um círio a pingar cera sobre um caixão!

Noite. Silêncio atroz, angustioso. A calma
Agoirenta da febre. O letargo das cousas...
No frio Campo-Santo às tempestades d'alma
Não é mais imponente a fria paz das lousas.

Fecho os olhos e escuto. O silêncio retalha
O vento que entra e sai pelas frinchas da porta,
Com o som de uma tesoira a cortar a mortalha
Para o meu corpo e range, e corta, e corta, e corta!

Na penumbra indecisa a febre põe visões
De velhas a rezar ladainhas de mortos,
Loas para encurtar os lúgubres serões,
Não deixando-as fechar os olhos seus absortos.

Sobre um pano de luto um Cristo, a fronte curva,
Contempla os pés na cruz pregados brutalmente,
E da fronte sangrenta, enlivicida e turva
Caem gotas da cor vermelha de um poente.

Corta o ambiente o som de vozes misteriosas:
Comentários da morte: a doença, a agonia...
Como na paz claustral da cela as religiosas
Falam baixo porque a Tentação espia...

Ó fantasmas! visões horror das horas mestas,
Tenho-vos ódio, ó vis quimeras dos doentes!
Eu não vos quero ao pé de mim, sombras funestas,
Quero lábios a rir risos bons, estridentes!

E a febre, a angústia aumenta! e eu a tremer de frio!
Frio d'alma que esmaia aos repelões da Dor!
Ó névoas, entreabri vosso capuz sombrio,
Deixai que eu goze ainda a mocidade e o amor!

                              * * *


           DOLENTES

No azul puríssimo, arqueado
Do céu longínquo, a lua vai,
– Bloco de mármore atirado –
No azul declívio... e rola e cai

Por sobre a treva opaca e muda,
Bem como um líquido tesoiro,
Já transformado em chuva de oiro
Que em luz, caindo, se transmuda.

E assiste inerte e penetrada
De um misticismo religioso,
Essa ampla queda, áurea e sagrada
Da luz, minh'alma erma de gozo.

Porque de há muito retraída
Num tédio espesso, aterrador,
Sente-se fraca para a vida,
E duvidosa para o amor.

A alma das coisas insensíveis
Talvez que tenha nestas lutas
Fibras mais fortes e inflexíveis,
Mais virginais, mais impolutas.

Meus ideais, meus sonhos, meus
Castelos alvos, de escumilha,
Caíram todos... e onde Deus
Um mundo pôs, acho uma ilha.

E na atra e pérfida agonia
Que os nervos todos me constringe,
Como uma vela, a fantasia
Foge num mar que a luz não tinge.

Às vezes flácidos, batidos
Da luta, o corpo e a alma repousam,
Mas no meu crânio comburido
Nem mesmo os sonhos alvos pousam.

Somente como o choro vago
Remoto e triste do alto mar,
Como a candura de um afago,
Quase a sorrir, quase a chorar;

Como uma queixa misteriosa
Dita num som casto e magoado,
De flor ou ave, inseto ou rosa,
Ao som, ao vento, ao sol doirado;

Chega-me branda e triste a voz
Longínqua e triste da Poesia,
Como uma pomba, à noite, a sós,
Cortando a treva erma e sombria.

Mas, mais que essa dolorosa
Insubmissa voz santíssima,
Em minha noite angustiosa
Outra eu quisera ouvir puríssima.

Era essa voz pura e sonante,
E melancólica e serena,
Que me faz d'alma um diamante,
Do coração uma açucena.

Mas dessa voz o som magoado,
Minha alegria e meu tormento,
Ouço-o gemer neste momento
Sob as ruínas do passado,

Onde eu lançando o olhar paciente,
Sem comoções, sem ansiedade,
Só vejo a flor roxa e tremente,
Tranqüila e fria da saudade!

                    * * *


                 DOLOROSA

Tu perpassaste dentro do meu sonho
Branca e sentida como o luar de Agosto;
Tinhas na voz um cântico tristonho
E uma tristeza de Ângelus no rosto.

Por que essa sombra eterna de desgosto
Te agasalhando o amor que, alto e risonho,
Devera voar, bem longe do medonho
Cairel da dor, ó rosa do sol-posto?

Em teus olhos dolentes e magoados
Havia a dor dos sonhos lacerados
E um ar profundo de desolação.

É que teu coração ia morrendo
Como uma margarida emurchecendo
Num crepúsculo triste de verão.

                         * * *


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