sábado, 29 de agosto de 2009

Poemas com a letra E



                ELEGIA

         Dorme feliz à sombra do teu nada
         .........................................................
         Cabeça heróica, ó alma desgraçada!
                  JOÃO DE DEUS DO REGO

Depois de tantas, de tão cruas lutas,
E quando as asas da felicidade
Sobre tua alma abriam-se impolutas;

Quando, já gasta a tua mocidade,
Ias, enfim, gozar dessa tranqüila
Vida de amores, de suavidade;

Mal entreabriste a cândida pupila
Para esse céu! mal viste a áurea coroa
Que te esperava ao fim dessa intranqüila

Existência de dores onde, à toa
Tua alma ansiosa no cairel sorria
Mártir, serena, intransigente e boa.

Mal aspiraste a rosa da alegria!
Viste tombar a última esperança
Quando a barreira última caía!

Tua alma triste, carinhosa e mansa,
Cheia do fel das lágrimas supremas,
Tinha o fulgor que a desventura alcança.

Coroavam-te a fronte dois diademas:
A desgraça e o amor! e deles dois
Fez a noite, ferindo-te, dois poemas.

Ao luar da saudade dormes pois:
Ama-te o luar que em vida tanto amaste...
Ó lua! Ó poeta! tão amigos sois!

Tuas canções ao vento derramaste
E agora o vento entoa-t’as, passando
Sobre a morada eterna a que baixaste.

Alguém por ti o coração sangrando
Sente! Descansa, desgraçado amigo,
Que eternamente sobre o teu jazigo
Vão esse coração e o luar chorando.

                *  *  *


                  ESCRAVO

Canta, escravo! murmure a tua guzla escrava
Em plangências sutis, risos, consolações;
Canta qual no espinheiro à tarde a rola brava;
Unja o teu lábio o mel de ignotas canções.

E o Homem se ajoelhou; nas cordas de oiro os dedos
Roça de manso, a medo e a harmonia golfou,
Golpeada de martírio e cheia de segredos:
Dúlia estranha de amor a que o escravo tocou!

Teu canto faz-me mal. Pára, escravo, começa
Outro canto de glória à minha formosura;
Como espirais de incenso ao éter arremessa
Os frêmitos do Gozo e o êxtase da Ternura,

Ele cantou então um canto desvairado
Com gemidos cruéis de lascívia selvagem!
Era o beijo profano, o soluço angustiado
Da Carne, num estertor profundo de voragem!

Basta! Canta o amor inefável, sublime,
Puro... Não cantarei! volve-lhe o escravo austero,
E, para resguardar minha lira do crime...
Quebrou-a num supremo e heróico desespero!

Colérica, num gesto ameaçador e bravo,
Com o olhar incendido, ela o Homem devora:
Covarde! deste amor nem sabes ser escravo!...
E deste escravo vós não sabeis ser senhora!

                *  *  *


           ESPERA E CRÊ

Meu amor, meu amor! A nossa estrada
Como é cruenta! Como é dolorosa!
Só nossa crença guia-nos, e nada,
E nada mais, ó minha pobre rosa!

Do horizonte na bruma silenciosa
Não aparece a estância alva e sagrada
Que há de guardar tua alma carinhosa
Como um ninho uma pomba fatigada.

Pálida e triste, angélica e franzina –
Fitas o olhar na solidão imensa
E o desalento enubla-te a retina.

Espera e crê! Por entre a treva densa
Há de brilhar a estrela peregrina
Que há de guiar-nos pelo azul suspensa...

                   *  *  *

              ESPINHOS

Se vendo a minha placidez severa
A minha fria e grave indiferença,
Que não há olhar teu que turbe e vença,
Nem a mágoa que finges, grave e austera;

Se, vendo morta a cândida quimera
Que tanto tempo foi-me altar e crença,
Vês-me suster a lágrima suspensa
Por quem debalde o teu despeito espera;

Se tu, vendo-me pálido e tranqüilo,
Sempre evitando o luminoso asilo
Do teu olhar fatídico e sereno,

Tremes de raiva e tremes de surpresa...
Rasga-te, flor, no espinho da incerteza
Envenenada pelo teu veneno!

                  *  *  *

                 ESTER

Pela janela aberta a aragem fria
Entra trazendo o aroma dos rosais,
E o Sol, abrindo as pálpebras reais,
Setas e setas de oiro fosco envia.


Dormindo, Ester, a pálida judia,
Sob as brancas cortinas virginais,
Sonha com as puras noites orientais
Cheias de luz e de melancolia.

Úmido o lábio trêmulo, rosado,
Suplica um beijo; o seio delicado
Arfa de leve entre os albentes folhos...


Sonha e sorri os olhos apertando
– Negras franjas de seda resguardando
As duas negras pérolas dos olhos.

             *  *  *


ESTÓICO


Amo-te mais que a própria vida; escuta:
Para possuir-te, para desfrutar-te
Ó amor, teu corpo – esse delírio d'arte,
Minh'alma ansiosa, intemerata, luta.

O mar, o inferno, as atrações do abismo,
A loucura do crime afrontarei!
Mesmo o teu ódio, mesmo o teu mutismo...

E se eu fosse perdida?!...
Eu matarei!
A quem? - A ti!
E é este o teu amor!
Quero-te pura, poluída nunca!
Pois bem! fiz em pedaços o pudor
Para salvar da fome à garra adunca
Minha mãe, minha irmã!...

              - Bem, nesse caso
Eu sou o infame; insulto teu martírio!
Morta estrela entre as nébulas do ocaso,
Ó roxo, triste, envenenado lírio!

E o que vais tu fazer, meu pobre amigo,
Quando o meu crime mata a tua esperança!

Ele sorriu...
– Misérrima criança!
Meu grande amor se extinguirá comigo!
Perdoas-me?
Perdôo-te!
       A moça, em pranto,

Estende a boca súplice, sequiosa...
Último beijo! E, lívida de espanto,
Vê-lhe nas mãos a arma criminosa.

Volve-lhe o moço: (a voz maviosa e doce
Não lhe traía o imenso desespero)
– Amei-te pura! é pura que eu te quero!
Pura não és! adeus!...
E apunhalou-se!

*  *  *


ESTRELA DO MAR

À minha Mãe

I

Sobre o abismo sem luz de minha vida atroz
Fulges tu, silenciosa Estrela vigilante;
E me falas na doce e gemedora voz
Do vento, e à noite vejo o teu olhar amante.

Do alto, o teu olhar, firme ao náufrago errante
Sobre a onda da vida enraivada e feroz,
Mandas corno um perdão vindo de alma distante
Para outra que jaz numa masmorra a sós.

Ó pálio azul das minhas crenças, dos meus sonhos!
Ó diamante a fulgir no lacrimal das noites
Minhas de viuvez e temporais medonhos!

Quando sofro e o silêncio escuta-me os pesares
Eu rezo a ti e a dor abranda os seus açoites,
Ó Estrela do mar a fulgir sobre os mares!
II

Farol das noites más dos que vogam perdidos
Sobre o cairel traiçoeiro, inclemente e brutal
Da vida; a soluçar com os corações partidos,
–Velas rotas à noite, às rajadas do mal.

A sorrir e a cantar na abóbada; claustral
Dos corações suspensa, às pragas e aos gemidos,
Faz dia a tua luz muita treva fatal,
Ó virgem de perdão! Estrela dos vencidos!

És tu quem desce e faz na charneca do crime
Nascer a flor do Bem inefável sublime,
Entre os cardos da Dor hostis como punhais!

Mãe dos tristes! Ó Mãe dos humildes, dos fracos!
Ó luar do perdão a alumiar os vácuos;
Alvorada do Bem! Eco piedoso de ais!

                  *  *  *

             EXTRAVIADO

I
Vens pálido, vens triste, vens cansado,
Podes entrar, assenta-te, descansa!
Que noite! Tanto frio! Vens molhado?
Aquece-te ao meu lar, pobre criança!


Por onde andaste? – Longe. – Extraviado
Vim de um país remoto na esperança
De encontrar da ventura (desgraçado!)
A ilha loira, transparente e mansa.

Vi da desgraça o lúgubre cairel;
Fui náufrago no oceano das paixões
E o que existe sofri de mais cruel.

Fui pó na asa veloz dos turbilhões...
E...? Trago o coração cheio de fel
E a cabeça vazia de ilusões.

II
Pois eu jamais saí do meu país;
Foi remansosa a minha mocidade,
Inda hoje o mundo diz que sou feliz,
Que outro não há como eu na minha idade.
Tive pendências, inimigos vis,
Gostei do céu, da luz, da liberdade,
Tive auroras de sonhos juvenis,
E crepúsculos tristes de saudade.

Nunca choraste? Quando amei. - E agora?
Choro porque a perdi!... – E és venturoso,
Quando o pesar e a raiva te devora!?

Mais do que tu, misérrimo inditoso,
Pois molha o pranto que minh'alma chora
As cinzas quentes dó passado gozo!

                    * * *

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