ELEGIA
Dorme feliz à sombra do teu nada
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Cabeça heróica, ó alma desgraçada!
JOÃO DE DEUS DO REGO
Depois de tantas, de tão cruas lutas,
E quando as asas da felicidade
Sobre tua alma abriam-se impolutas;
Quando, já gasta a tua mocidade,
Ias, enfim, gozar dessa tranqüila
Vida de amores, de suavidade;
Mal entreabriste a cândida pupila
Para esse céu! mal viste a áurea coroa
Que te esperava ao fim dessa intranqüila
Existência de dores onde, à toa
Tua alma ansiosa no cairel sorria
Mártir, serena, intransigente e boa.
Mal aspiraste a rosa da alegria!
Viste tombar a última esperança
Quando a barreira última caía!
Tua alma triste, carinhosa e mansa,
Cheia do fel das lágrimas supremas,
Tinha o fulgor que a desventura alcança.
Coroavam-te a fronte dois diademas:
A desgraça e o amor! e deles dois
Fez a noite, ferindo-te, dois poemas.
Ao luar da saudade dormes pois:
Ama-te o luar que em vida tanto amaste...
Ó lua! Ó poeta! tão amigos sois!
Tuas canções ao vento derramaste
E agora o vento entoa-t’as, passando
Sobre a morada eterna a que baixaste.
Alguém por ti o coração sangrando
Sente! Descansa, desgraçado amigo,
Que eternamente sobre o teu jazigo
Vão esse coração e o luar chorando.
* * *
ESCRAVO
Canta, escravo! murmure a tua guzla escrava
Em plangências sutis, risos, consolações;
Canta qual no espinheiro à tarde a rola brava;
Unja o teu lábio o mel de ignotas canções.
E o Homem se ajoelhou; nas cordas de oiro os dedos
Roça de manso, a medo e a harmonia golfou,
Golpeada de martírio e cheia de segredos:
Dúlia estranha de amor a que o escravo tocou!
Teu canto faz-me mal. Pára, escravo, começa
Outro canto de glória à minha formosura;
Como espirais de incenso ao éter arremessa
Os frêmitos do Gozo e o êxtase da Ternura,
Ele cantou então um canto desvairado
Com gemidos cruéis de lascívia selvagem!
Era o beijo profano, o soluço angustiado
Da Carne, num estertor profundo de voragem!
Basta! Canta o amor inefável, sublime,
Puro... Não cantarei! volve-lhe o escravo austero,
E, para resguardar minha lira do crime...
Quebrou-a num supremo e heróico desespero!
Colérica, num gesto ameaçador e bravo,
Com o olhar incendido, ela o Homem devora:
Covarde! deste amor nem sabes ser escravo!...
E deste escravo vós não sabeis ser senhora!
* * *
ESPERA E CRÊ
Meu amor, meu amor! A nossa estrada
Como é cruenta! Como é dolorosa!
Só nossa crença guia-nos, e nada,
E nada mais, ó minha pobre rosa!
Do horizonte na bruma silenciosa
Não aparece a estância alva e sagrada
Que há de guardar tua alma carinhosa
Como um ninho uma pomba fatigada.
Pálida e triste, angélica e franzina –
Fitas o olhar na solidão imensa
E o desalento enubla-te a retina.
Espera e crê! Por entre a treva densa
Há de brilhar a estrela peregrina
Que há de guiar-nos pelo azul suspensa...
* * *
ESPINHOS
Se vendo a minha placidez severa
A minha fria e grave indiferença,
Que não há olhar teu que turbe e vença,
Nem a mágoa que finges, grave e austera;
Se, vendo morta a cândida quimera
Que tanto tempo foi-me altar e crença,
Vês-me suster a lágrima suspensa
Por quem debalde o teu despeito espera;
Se tu, vendo-me pálido e tranqüilo,
Sempre evitando o luminoso asilo
Do teu olhar fatídico e sereno,
Tremes de raiva e tremes de surpresa...
Rasga-te, flor, no espinho da incerteza
Envenenada pelo teu veneno!
* * *
ESTER
Pela janela aberta a aragem fria
Entra trazendo o aroma dos rosais,
E o Sol, abrindo as pálpebras reais,
Setas e setas de oiro fosco envia.
Dormindo, Ester, a pálida judia,
Sob as brancas cortinas virginais,
Sonha com as puras noites orientais
Cheias de luz e de melancolia.
Úmido o lábio trêmulo, rosado,
Suplica um beijo; o seio delicado
Arfa de leve entre os albentes folhos...
Sonha e sorri os olhos apertando
– Negras franjas de seda resguardando
As duas negras pérolas dos olhos.
* * *
ESTÓICO
Amo-te mais que a própria vida; escuta:
Para possuir-te, para desfrutar-te
Ó amor, teu corpo – esse delírio d'arte,
Minh'alma ansiosa, intemerata, luta.
O mar, o inferno, as atrações do abismo,
A loucura do crime afrontarei!
Mesmo o teu ódio, mesmo
o teu mutismo...
E se
eu fosse perdida?!...
Eu matarei!
A quem? - A ti!
E é este o teu amor!
Quero-te
pura, poluída nunca!
Pois
bem! fiz em pedaços o pudor
Para
salvar da fome à garra adunca
Minha
mãe, minha irmã!...
- Bem, nesse caso
Eu sou o infame; insulto teu martírio!
Morta estrela entre as nébulas do ocaso,
Ó roxo, triste, envenenado lírio!
E o
que vais tu fazer, meu pobre amigo,
Quando
o meu crime mata a tua esperança!
Ele sorriu...
– Misérrima criança!
Meu
grande amor se extinguirá comigo!
Perdoas-me?
Perdôo-te!
A moça,
em pranto,
Estende a boca súplice, sequiosa...
Último beijo! E, lívida de espanto,
Vê-lhe nas mãos a arma
criminosa.
Volve-lhe o moço: (a voz maviosa e doce
Não
lhe traía o imenso desespero)
– Amei-te pura! é pura que eu te quero!
Pura não és!
adeus!...
E apunhalou-se!
ESTRELA DO
MAR
À minha Mãe
I
Sobre
o abismo sem luz de minha vida atroz
Fulges tu, silenciosa Estrela vigilante;
E me falas na doce e gemedora voz
Do vento, e à noite vejo o teu olhar amante.
Do alto, o teu olhar, firme ao náufrago errante
Sobre a onda da vida enraivada e feroz,
Mandas corno um perdão vindo de alma distante
Para outra que jaz numa masmorra a sós.
Ó
pálio azul das minhas crenças, dos meus sonhos!
Ó
diamante a fulgir no lacrimal das noites
Minhas de viuvez e temporais medonhos!
Quando
sofro e o silêncio escuta-me os pesares
Eu
rezo a ti e a dor abranda os seus açoites,
Ó
Estrela do mar a fulgir sobre os mares!
II
Farol das noites más dos que vogam perdidos
Sobre o cairel traiçoeiro, inclemente e brutal
Da vida; a soluçar com os corações partidos,
–Velas rotas à noite, às rajadas do mal.
A sorrir e a cantar na abóbada; claustral
Dos
corações suspensa, às pragas e aos gemidos,
Faz
dia a tua luz muita treva fatal,
Ó
virgem de perdão! Estrela dos vencidos!
És tu quem desce e faz na charneca do crime
Nascer a flor do Bem inefável sublime,
Entre os cardos da Dor hostis
como punhais!
Mãe
dos tristes! Ó Mãe dos humildes, dos fracos!
Ó
luar do perdão a alumiar os vácuos;
Alvorada
do Bem! Eco piedoso de ais!
* * *
EXTRAVIADO
I
Vens pálido, vens triste, vens cansado,
Podes entrar, assenta-te, descansa!
Que
noite! Tanto frio! Vens molhado?
Aquece-te ao meu lar, pobre criança!
Por
onde andaste? – Longe. – Extraviado
Vim
de um país remoto na esperança
De
encontrar da ventura (desgraçado!)
A ilha
loira, transparente e mansa.
Vi da desgraça o
lúgubre cairel;
Fui náufrago no oceano das paixões
E o que existe sofri de mais
cruel.
Fui pó na asa veloz dos
turbilhões...
E...? Trago o coração cheio de
fel
E a cabeça vazia de ilusões.
II
Pois eu jamais saí do meu país;
Foi remansosa a minha mocidade,
Inda hoje o mundo diz que sou feliz,
Que outro não há como eu na minha idade.
Tive
pendências, inimigos vis,
Gostei
do céu, da luz, da liberdade,
Tive
auroras de sonhos juvenis,
E
crepúsculos tristes de saudade.
Nunca
choraste? Quando amei. - E agora?
Choro
porque a perdi!... – E és venturoso,
Quando
o pesar e a raiva te devora!?
Mais
do que tu, misérrimo inditoso,
Pois
molha o pranto que minh'alma
chora
As
cinzas quentes dó passado gozo!
* * *
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