sábado, 29 de agosto de 2009

Poemas com a letra C



    CANÇÕES DE MAIO


Brandos eflúvios suaves
Trouxe Maio, ó meus amores!
São rosas, dizem as aves;
Esses aromas suaves...
São anjos, dizem as flores.


São anjos no céu decerto,
Que espalham tamanha luz!
Disse-me um lírio entreaberto;
São anjos no céu, decerto...
Nossa Senhora ou Jesus.


O SOL


Tesoiros em cada raio
De rubis e diamantes
Trouxe pra dá-los a Maio;
Tesoiros em cada raio
Pra Maio dar aos amantes.


AS FLORES


Trouxe-nos novos aromas
Pela manhã a alvorada;
Perfumes puros de pomas,
Desconhecidos aromas
De uma urna ignorada.


O LAGO


Ontem à noite o luar
Era uma rosa no céu:
Era uma hóstia no altar;
Ontem à noite o luar
Era uma noiva de véu!


UMA ROLA


Meu ninho fi-l o das penas
Do meu colo; é tão macio...
Tem o frouxel de açucenas,
Meu ninho que eu fiz de penas
E de carinhos teci-o.
Sob uma moita de rosas

              *  *  *

            CANTARES

                   I
Foi Deus quem o azul manchando
De lágrimas d'oiro fez
O pranto que deslizando
Lava e entristece-te a tez.

                 II
Pois se o céu chora, tu choras
Filha amorosa e sensível...
Estrela! à luz das auroras
És um soluço inaudível.

                III
Hão de passar muitas eras
Antes que tu, mocidade,
O vago dessas quimeras
Vejas tornar-se em verdade.

                 IV
Do colar de oiro dos sonhos
Tombam os risos e as pérolas,
Nos sorvedoiros risonhos,
No abismo das canções quérulas.

                 V
A noite dessa incerteza
Deploras amargamente;
Só, no entretanto, a tristeza
Sustenta tua alma doente.

                VI
Tu no outro tempo vivias
Alegremente a cantar:
É que amar tu não sabias...
Hoje é que sabes amar.

              VII
Deixa investigarem sábios
A causa, o mal que te aflige,
Tranca o segredo nos lábios,
Ó pomba, e foge da estrige.

              VIII
Que importa, aos doutores, males
Que eles não podem curar?
Querem fazer que tu fales...
Cuidado! não vás falar!

               IX
Virações das tardes mestas,
Vagos suspiros de aragens,
Coração, que é de tuas festas?
Desertos, que é das miragens?

               X
Já lá passaram os tempos!
Hoje somente desejas
A paz austera dos templos
Onde esquecido tu sejas.
             *   *  *


CARTA

(Ao amigo José Raulino)
I
Não digas que eu faço versos,
Pois não são versos que eu faço;
A Poesia é que eu desfaço
Em mil bocados diversos.

Fazer versos! Pra fazê-los
É necessário ao artista
Ter o sonho de conquista
No sono dos pesadelos.

Ter por entre as urzes mestas,
Da vida ao brutal atrito,
A alma a olhar o infinito
E o coração sempre em festas.

Ter a sangüínea alegria
Bebida no leite quente
Que esguicha continuamente
Das pomas da Fantasia.

Ter, para prender a rima,
Loira fagulha travessa,
Que endoida, a passar por cima,
A mais tranqüila cabeça,

O riso franco e heróico
Que põe no lábio a esperança,
O riso guerreiro, estóico,
Ingênuo de uma criança.

Ter n'alma o perfume grato,
Religioso da crença,
Molhado como um regato
A dúvida – seara imensa.

Ter, pelas noites formosas,
Grandes urnas de esplendor,
No peito abertas as rosas
Lacrimejantes do amor.

Ter aspirações, delírios,
Frêmitos de águas possantes,
E o casto sono dos lírios,
E a rigidez dos diamantes.
Quem não tem, porém, como eu,
Para tecer coisas belas
Nem o filó das estrelas
Nem a luz e o oiro do céu;

Quem nem o cofre que encerra
Recordações do Passado
– Longínquo sonho esfumado
Sonhado por sobre a terra –

Pode abrir, sem que nos ares
Se empalhem como visões
O fumo das ilusões
E o veneno dos pesares:

Como há de enfeitar a frase
E o verso bordar de luz
Cobrindo-o com a fina gaze
Dos doces sonhos azuis?

Como há de tecer, amigo,
Coisas sutis, transparentes,
Quem traz os olhos doentes
De tanto chorar consigo?

Como há de escrever, como há de
Quem passa as noites sombrias
No horto das agonias
Sob o luar da saudade?

Por isso a musa dorida,
Cheia de tédio e cansaço,
Caiu como a águia ferida
Revoluteando no espaço.

E sinto, mau lutador!
Que meu ser, triste, se abisma
Rolando de dor em dor
No pego amargo da cisma.

II
Meu coração, que loucura!
Que incompreensível mistério!
Tem mudez de cemitério
E frio de sepultura.

Tudo me sai ante os olhos
Roxo da cor do martírio!
Ando a passear em delírio
Por sobre cardos e abrolhos.

A luz que em ondas espalha
A lua – Oceano de luz –
É grave como uma cruz,
Branca como uma mortalha.

As sombras, se a noite cai,
São mais longas e sombrias
Que os salmos das agonias
Ou o som pungente de um ai!

Vendo os flocos opalinos
Do luar, pela amplidão,
Julgo ouvir minh'alma em hinos
E em gritos meu coração.

O próprio sol que enaltece
A fronte azul do infinito
Semelha um olho, parece
Porém um olho esquisito.

Um olho que em si resume
Um brilho tão coruscante
Como o cáustico do ciúme
No coração de um amante.

Auras, aromas amenos,
Que vêm dos campos sem fim,
São outros tantos venenos
Pra me envenenar a mim.

As flores brancas e puras
Do campo, humildes e belas,
Eu comparo-as com donzelas
Porém... donzelas perjuras:

Ai, quanta ave sequiosa,
Em sequioso desvario,
Procura o cálix da rosa
Para encontrá-lo vazio!

Com que sereno vigor
As pombas tecem os ninhos,
Doces alcovas do amor
Saturadas de carinhos.

Bom! podeis viver e amar
Ó pombas arrulhadoras,
Pois não sabeis odiar,
Nem sabeis ser traidoras.

Vamos, inverno, despeja
A cornucópia do frio,
Ruge, blasfema, pragueja
Trôpego velho sombrio.

Molha, molha, não descansa
Pra ver se quando te fores
Vêm para os campos as flores
E para mim a esperança.

....................................................

Bom amigo, edifiquemos
Castelos de oiro e de luz.
Mas, para vê-los, voemos
Para os espaços azuis.

Para só de longe vê-los,
Longe, onde não chegue a voz...
Para evitar que os castelos
Desabem por sobre nós...
              *  *  *


COM AS ANDORINHAS
I
Adeus! dizem-te adeus minha tristeza
E a minha mágoa, o meu isolamento;
Porém minh'alma não; meu pensamento
Não e não! minha cândida princesa.

Do mundo cruzo a túrbida devesa
Cheia de cardos, cheia de tormento,
Resignado? Eu sei? no esquecimento
Talvez, talvez lutando na incerteza.

Vão-se no outono as andorinhas pretas,
Canta a saudade mística dos Poetas
Eternas loas, doloridos poemas.

Mas nestas notas a esperança ecoa...
Adeus? Pois bem: adeus! porém perdoa
Se eu te não choro as lágrimas extremas.

II
Hás de vir, hás de vir, bem sei que há de
Tua presença minha dor calmar;
E hás de minh'alma aflita ver flutuar
Por entre as sombras que a tua alma invade.

Asa ao meu verso dando a ansiedade,
E o amor a força indômita do mar,
Continuamente ela há de te encontrar
Sob a alameda umbrosa da saudade.

Velhos castelos ficam no abandono,
Como às rajadas ásperas do outono
Viúvo jardim de folhas amarelas.

Mas volta a primavera, a vida, o amor...
Voltam as andorinhas: vem com elas!
Mata a tua saudade e a minha dor!
               *  *  *


              CONDENADO

I
Sobre o estrado infamante o condenado...
Em volta o Povo, e a soldadesca em guarda
O cutelo a descer muito não tarda,
Não tarda muito o instante desejado.

Entanto o réu, ao murmurar ansiado
Da multidão, tirita e se acovarda
E à turva sombra misteriosa e parda
Da Morte se aproxima, desgraçado.

Mas, quem sabe? o perdão talvez, ainda
Chegue a tempo. Um instante mais!... infinda
Tortura! e chora, e reza e desespera!...

Assim meu coração por entre a bruma
Da Dúvida vê morrer um por uma
As ilusões e no entretanto espera!

II
Esperar! esperar! quando a alma chora
E sangra o coração que se enoitece,
E a esperança a tremer desaparece
E não mais volta quando volta a aurora!

O árabe a seguir deserto em fora
Vendo o simoun que aos poucos aparece
Já não pode esperar! reza uma prece
E cai sequioso à sede que o devora.

Ruge em meu peito o coração ferido,
Bate convulsa às grades da prisão
Como um leão em malhas envolvido.

Enquanto espectro da desilusão
Gargalha e ri, feroz como um bandido
Apunhalando em fúria um coração.
             *  *  *


              CONFIDÊNCIAS

Há na tua alma como na minh'alma
O fel perene da melancolia.
GUIMARÃES PASSOS

Lembras-te um dia quando eu te mostrava
Dessa mulher o pálido semblante
Que sobre o meu destino se elevava
Como o sol que se alteia no Levante?

Eu não te disse então que na corrente
Dessa beleza transcendente e calma
Eu tinha preso o coração fremente
E tinha presa a alma?

Que no coral daquele lábio puro,
Quando surgia a pérola do riso
Era como um clarão fendendo o escuro
E fulminando a gente de improviso?

Quanto te disse então dessa criança,
Dessa menina pálida e tranqüila,
Que me trouxera a rosa da esperança
Na lânguida pupila!

Não viste quando, trêmulo e contrito,
Eu te contava esse poema, irmão,
Não viste que era de minh'alma o grito,
E que era o grito de meu coração?
Que eu era a borboleta da crisálida
Desprendida, gazil, ingênua e louca
Sonhando o mel do amor na rósea boca
Daquela doce pálida?

Amigo! o inverno chega, a rosa tomba,
Tombam os ninhos, sentem frio as aves...
E na cerca pousada a triste pomba
Só tem arrulos trêmulos e graves.

Chegou-me o inverno a mim, lutuoso e frio,
E o coração tremendo se aconchega
Ao peito, como a hera que se apega
A um muro sombrio!...

Chegou-me o inverno da desilusão,
Foram-se os sonhos ao cair das flores...
Não mais o epitalâmio dos amores!
Anda nas trevas o meu coração!

Quando vai-se-nos o bando abençoado
Dos ideais que nós acalentamos,
O triste olhar volvemos ao passado
E choramos, choramos.
                    *  *  *



CONTRADIÇÃO

Nem vale a pena contar
O meu profundo penar!

Viver de ave que doideja
Presa dentro de uma igreja.

Pois imagina, senhora,
Que eu prefiro a noite à aurora?

Mais: – prefiro às noites belas
Com seu rosário de estrelas...

As longas noites trevosas,
Profundas, silenciosas...

E nem te cause piedade
A minha agreste verdade!

Pois se és tu minha alegria
E eu não te vejo de dia;

Se pelas noites de luar
Nunca te posso falar

Prefiro a treva sem fim
Pois tenho-te junto a mim.

E se mais cedo me deito
Mais te tenho junto ao peito,

Para isso basta-me então
Abrir o meu coração.

Pois se da desgraça o açoite
Leva a luz que me alumia,
Por ti, eu morro de dia
E ressuscito de noite.

          *  *  *


CREDENCIAL

Arte! suprema, incomparável Arte!
Tu, Cornélia, que os filhos avigoras
Pra desfraldar às noites e às auroras
Teu glorioso, harmônico estandarte;

Arte do Verso, prenhe de luares,
De sóis fecundos, de pujantes messes,
Amplo seio de prantos e de preces,
De amarguras, de risos, de pesares;

Arte do Verso, Arte das harmonias
Vibrantes, doudas cálidas, inquietas;
Elétrica centelha dos Poetas,
Que esfolhas rosas sobre as agonias;

Arte nevada de dolências meigas,
Pulcra santa de beijos dolorosos,
Que tens os seios de rosais cheirosos
E a virgindade de cheirosas veigas;

Arte, monja de idílica piedade,
Que tens, eterna, angélica visão,
No olhar o Angelus nobre do Perdão
E a paz augusta da maternidade;

Arte! ideal, oh sacrossanto viático!
Ó Arte – Mater de consolações!
Com os meus sonhos e amores e ilusões
Fiz-te um missal de Dor! – sou teu fanático!
 
                   *  *  *



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