sábado, 29 de agosto de 2009

Poemas com a letra A





          A GARÇA

Garça triste, garça branca,
Solitária e desolada
Sobre a praia, olha a nortada
Que as tuas penas arranca!

Ao longe, no cocuruto
Do morro, a neblina cai,
Depois sobe e no ar se esvai
Como o fumo de um charuto.

Ao vento que ondeia os juncos,
Vens de remotas paragens,
Garça, e com os dedos aduncos
Bordas a lama das margens.

Garça triste, garça errante
Vagando à beira dos pântanos,
Dize tua história – viajante,
As tuas saudades conta-nos.

Em bandos tuas irmãs
Buscam à tarde o poente,
E tu, solitariamente
Sob o frio das manhãs,

Pelas noites de invernia
Quando os céus despejam água,
Passas calada e sombria
No côncavo de uma frágua.

Garça triste, garça branca,
Solitária e desolada!
Garça triste, olha a nortada
Que as tuas penas arranca...

                    * * *


            A GAZELA

Retine o sol nas árvores, dardeja
Na esbraseada areia das estradas;
Vão dos búfalos negros as manadas
Beber a água que, trépida, roreja.

Entre os juncais das margens, inquieta
A onça espreita; os pardos elefantes
Pacientes, vão das árvores distantes
Buscar a sombra protetora e quieta.

Chega a gazela tímida e ligeira,
E as delicadas patas estendendo,
De um salto chega à borda e vai bebendo,
Pendido o corpo sobre a ribanceira.

Passa, curvando os trêmulos juncais
Do vento a rija e cálida bafagem...
Como o estridor de lúgubre voragem
Ressoa um urro pelos matagais.

E no cristal do ambiente um corpo rola,
Fulvo, aos raios do sol se precipita,
E numa sede oceânica e maldita
A tragédia do sangue desenrola.

Tomba a gazela tendo o peito aberto
Por duas largas e mortais facadas!
–Do sangue o rio bebe-lhe às golfadas,
O sequioso vampiro do deserto!

E ela morrendo, em queixas flebilíssimas,
Dos grandes olhos moribundos, vagos,
Deixa cair as pérolas puríssimas
Que o martírio arrancou desses dois lagos.

Como a gazela, foi meu coração
Sob o azul virginal da adolescência,
Como uma ave em procura da amplidão
Cheia de sol, de luz, de transparência,

Em teus olhos, dois sóis sobre dois lagos,
Cheios de languidez e de fulgor,
Beber a explicação dos sonhos vagos
–Pombas que chegam quando chega o amor!

Bebendo-te esse olhar onde boiava
Toda a tua alma virginal e mansa,
Minh'alma à luz do amor se despertava
Sobre o leito risonho da esperança.

Dobra-se a folha ao livro que nos fala
Da longínqua saudade do passado,
E abrimos d'alma o escrínio alvo e sagrado
Para melhor sentirmo-la e sonhá-la!

Não te recordo mais; somente aquela
Lágrima triste que te vi chorar
Destes versos no fim fez-me lembrar
Os dolorosos prantos da gazela!...

                     * * *


               A UMA NOIVA

Magoada flor que vais ao ergástulo frio
De um leito sem amor o coração levar!
– Folha, quem te atirou à corrente do rio?
– Concha, quem te prendeu ao rochedo do mar?

Tua grinalda tem laivos de pranto ardente,
Na gaze de teu véu ondula a ânsia queixosa,
E tu vais para o altar desesperadamente
– Fantasma de mulher, pálida, silenciosa!

Atraiçoas o amor – lírio magoado e débil –
E a harpa eólia do peito as cordas arrancando,
Quem lhe ouvirá, morrendo, o angil murmúrio flébil,
Que de alma em alma vai como um sino dobrando?

Em teu olhar pervaga a sombra do Passado,
E o teu lábio sorri triste, saudosamente!
Diamante sem fulgor! Bogari desfolhado!
Nuvem que se inflamou ao roçar no poente!

Olha em redor de ti, perscruta, inquire, chama
O sonho que nimbou tua fronte de criança;
Essa ilusão azul, essa doirada trama
Onde dentro vogava o batel da Esperança!

Não mais! poreje embora a tua azul pupila
O pranto – a diluição de teu martírio atroz –
Tira o teu coração do sepulcro que o asila
Que ele só te ouvirá a endolorida voz!

Converteste o rosal de tua mocidade
Num campo-santo aonde, ansiosa e dolente,
Na árvore tranqüila e mesta da saudade
Pia a estrige da Dor, triste, agoirentamente!

Dos teus anos a flor mudas em goivo amargo,
Num adeus sepulcral foges da Primavera;
Nem um sonho a enfeitar o paul do letargo!
– Deserto sem a sombra amiga da Quimera!

Por que deixaste assim acorrentado e exangue
Teu coração subir à forca do Egoísmo?
Que é de tua vontade? O que fizeste ao sangue
E às tuas asas d'anjo em frente deste abismo?

Olha, apesar do gelo amargo da Descrença
Meu coração é bom e compassivo quando
Vejo a noite da Dor tragando a alva da Crença
E o golfão da Desgraça um coração tragando!

Ó moribunda flor! martirizado lírio
Que a tristeza fatal funebremente engoiva,
A flor da laranjeira é o teu maior martírio
E a Lágrima há de ser o teu sendal de noiva!

                         * * *


           A UMAS MÃOS

Mãos de crianças, mãos pequenas,
Mãos que, ao pousar no teclado,
Lembram um par d'asas nevado,
Mais leve que as próprias penas.

Nasce o ritmo, a harmonia
Golfa maviosa e dolente,
Como um chorar de anjo doente
Aos pés da Virgem Maria.

Se as tuas mãos de alabastro,
De arminho de neve, pousas
No teclado, choram astros
No céu, animam-se as cousas.

Corre um frêmito nas rosas,
Acende-se o céu; soluçam
As virações; e, curiosas,
As estrelas se debruçam.

Há murmurios, dolências
Tênues suaves devaneios;
Brancas, doces inocências,
Fluidos, aromas de seios.

Como silfos, passa no ar
O bando das ilusões;
E andam anjos a afinar
As harpas dos corações.

Mãos divinais que a miragem
Dais-nos da luz dos caminhos:
Rugitando com a folhagem
E pipilando com os ninhos.

Ó dedos de arminho, quando
Correr no teclado vejo-os,
Que sede de ir-lhes sustando
Os movimentos aos beijos!

                    * * *


                    A VOLTA

Voltaste! Olha-me terna e longamente!...
Da derradeira lágrima chorada
Em minha face pálida e sulcada
Inda o sinal verás fundo e eloqüente.

À mágoa entregue de te ter ausente,
Minh’alma, há tanto tempo separada
Da tua, foi-se enferma e contristada
Se contraindo dolorosamente.

Mas, tu voltaste, ó pálida senhora,
E eu vi, levada na asa da alegria,
Minha tristeza funda e aterradora.

Não há dia que valha-me este dia,
Todo cheio das pompas e da aurora
Que o teu olhar angélico irradia.

                     * * *


                            A***

                        I
Não te apavores tu, não te atormentes,
Ó minha doce e virginal senhora,
Às rajadas coléricas, frementes,
Que me envolvem de dia e de hora em hora.

Como o mergulhador que sobe à tona
Sacudindo a ensopada cabeleira
E as vagas corta procurando a beira,
E calmo, sobre as águas se abandona:

Eu vou sereno contemplando o vulto
De um ideal que me sorri na mente...
Ódios? Não vejo, e rio-me do insulto,
Rio de todos, e amo a ti somente.

Sei que separa o vírus da calunia
Muitas almas e muitos corações,
Mas a inveja banal desses vilões
O meu desprezo simplesmente pune-a.


                          II
Longe, no vasto mar, ermo, infinito,
A vela rasga-se ao bater do vento,
E o marinheiro audaz não solta um grito
Sobre as ondas do líquido elemento.

Pois se o navio vaga e não deriva
Do rumo, e aproa aonde há de chegar
Não teme o mar, e aos ventos não se esquiva:
Que importa os ventos e que importa o mar?


Bem como o marinheiro, eu não descoro
Ao rugir da calúnia, bronco e fundo:
Que me importa esta gente, se eu te adoro?
Se tu me amas, que me importa o mundo?

                         * * *


      ALFREDO PEIXOTO

Pela escada de sonhos da Poesia
Tu te elevaste ao paraíso da Arte;
E a asa serena e branca da alegria
Suavizou-te a dor por toda a parte.

Águia do verso! pelo espaço afora
Ias, serena e boa e gloriosa,
E a alma de Poeta cândida e sonora
Diluías na Rima vitoriosa.

Foste ao seio profundo do oceano
Coroar-te de algas, de corais,
Não sucumbiste, artista soberano,
Não morreste, descansas, nada mais.

Mas teu descanso, que é o descanso eterno,
Causa-nos mágoa e causa-nos pesar,
Pois nunca mais na lira há de vibrar
Teu coração melodioso e terno...

E os que te vêem a lira emudecida,
Os que sabem sentir como sentiste,
Para os quais tua súbita partida
Foi um adeus imensamente triste,

Vão a chorar em bando e em romaria
Pela triste Avenida da Saudade,
De tua mente o lírio da Poesia
E de tua alma a rosa da Bondade!

                        * * *


AMOR! AMOR!


Lá vem o dia
Abrindo os olhos;
Olha e só vê flores aos molhos
       E alegria! 

Canções maviosas
Em cada galho,
Pérolas as per'las do orvalho,
       Tremem nas rosas. 

Ressoa um canto;
Ressoam trinos:
São as aves: estão como meninos
       Em dia santo. 

O campo inteiro,
A relva toda;
Até o vento anda de roda,
       Que brejeiro!  

O riacho, o rio,
O próprio mar
Se aqui estivesse ia cantar
       Como um vadio, 

E agora nós;
Olha este céu:
Azul como um olhar: é o teu
       Se ele tem voz!... 

Sim, o céu fala
       Com a voz de Deus...
Que cheiro é este que se exala
       Dos seios teus? 

Alguma flor?
Vê bem, procura...
Não, é tua alma que murmura.
       Amor! Amor!

            *  *  *


ATRAVÉS DO SONHO 

Cerro os olhos de noite, enquanto o sono
Não chega, e deixo-me ficar sonhando
Neste abstrato e lânguido abandono
De quem com o coração vai conversando. 

E como um triste e luminoso bando
De garças, sob o azul de um céu de outono,
Vão minhas utopias emigrando
Do altar aonde o teu amor entrono. 

Trono de flores que a ilusão colora
Minuto por minuto, enquanto chora
O Coração no íntimo, sentido, 

Aonde o teu amor mal pousa e aonde
Minha esperança última se esconde
Como um pássaro triste e malferido.

                  *  *  *




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