MAGOADA
Corpo de anjo, coração de hiena!
PAULA NEI
Vais desdenhosa e pálida passando
No vitorioso azul da adolescência,
Como uma flor ao sol se estiolando,
Perdendo as cores e perdendo a essência.
Freme teu riso arregaçando a rosa
Do lábio ungido de ironia e dor!
E és sempre a mesma, cândida orgulhosa,
Olhar de hiena, coração de flor!
E hás de viver assim eternamente
Altiva e fria, irônica, impassível,
Alma d'anjo mimosa e recendente
Cedo crestada ao sopro do impossível!
Subiste ao céu no teu amor primeiro
D'onde caíste inopinadamente!
E viste frio, ó coração ardente!
Morrer teu sonho branco e feiticeiro!
Tem o triste gemer das casuarinas
O teu sereno olhar, deusa sombria –,
E a luz crepuscular da nostalgia,
E a majestade de um palácio em ruínas!
* * *
MÁGOAS
Eu sinto n'alma o fúnebre
vazio
Que o ninho sente quando a
pomba voa.
JOÃO DE DEUS DO RÊGO
Por
que essa flor que encerra a nossa vida,
Na
melindrosa ânfora guardada,Treme, pálida e fria, sacudida
Por tua mão angélica, de fada?
Por
que das minhas utopias santas
O vôo
cortas quando as tenho presas,À tua boca e à tua voz – se cantas,
Às tuas mãos e ao teu olhar – se rezas?
Por
que deixaste, pérola, a queixosa
Concha
cheia de amor e de martírio?Por que deixaste este luar, ó rosa?
Por que fugiste deste orvalho, ó lírio?
Pois
bem, deixa que eu gema e que sucumba
Com
teu retrato no meu coração,E vá de solidão em solidão,
A procurar o amor de tumba em tumba.
Deixa!
e nem tentes mais chamar à vida
Meu
coração desesperado e frioQue anda no mar da Dor como um navio
Na escuridão da noite indefinida!
* * *
MAL ÍNTIMO
Esta amargura funda, esta inclemência
Atra e brutal que me persegue, e mata,Como um veneno, as flores cor de prata
Da minha entristecida adolescência;
Este ambiente de corrupta essência
Onde o Tédio os seus flóculos desata;Este vento de dor que me arrebata,
Os sonhos de fulgor transparência:
Toda esta amarga e triste decepção,
Esta da vida cética ironia,Esta contínua e trágica aflição,
Este simoun do mal veio-me um dia,
Por não possuir teu peito um coração* * *
MANHÃS DE OUTUBRO
Frias
manhãs de Outubro, neblinosas,
Cheias
de aroma, cheias de tristezaPara minh'alma que se estorce presa
Nas roscas das saudades angustiosas,
Sois
para mim como esfolhadas rosas
Cobrindo
o altar onde minh'alma reza,E onde arde noite e dia sempre acesa
A lâmpada das dores tormentosas.
Frias manhãs de Outubro, eu vos adoro
Mesmo cheias do pranto das neblinasQue é como o pranto que eu de noite choro.
As vossas névoas trêmulas e finas
São como contas pálidas; e eu oroVendo-as descer, as pálidas neblinas!
* * *
MAR DE SARGAÇOS
Olha
o Mar de sargaços. Na extensão
Que o
raio visual abarca e alcança
Somente
a fria e pálida amplidão
Do
céu destaca-se, e uma cor mais viva
Mais colorida lança
Naquela
triste paz imota e hedionda!
Mar
sem o indício de uma vida ativa
Sem o rumor da onda.
A
água embaixo das plantas não murmura,
Não mostra
a face adormecida e fria,
Coberta
toda a líquida planura
De
detritos, estende-se sombria.
É
triste o aspecto desse mar estígio:
Acres
destroços, algas, negro limo
Podre
e perpétuo sobrenada ao cimo...
Mar
sem vagas altivas, e da espuma
Nem o menor vestígio.
Apenas
sobre aquela estagnação
As
gaivotas marinhas sacudindo
As amplas
asas brancas, a soidão
Povoam
desse mar, ou construindo
Os
ninhos sobre as algas, ou fendendo
Em
longo bando os desolados ares...
Ali
não viça a flor dos nenufares
O orvalho recebendo!
A tempestade bruta,
Que
as brutas asas sobre os flancos bate
Do
Oceano e o faz arfar, rugir na luta
No tenebroso, colossal
combate;
Deste
outro mar a superfície morta
Não
agita, não faz nascer-lhe a espuma,
Que,
nesse estado comatoso absorta,
Ele
assemelha-se a um lençol de bruma.
Volta os teus olhos e olha
Querida, para mim: lê no meu rosto
E nos meus olhos lê, e folha a folha
Lerás minh'alma. A foice do desgosto
Segou
cruelmente a messe dos meus sonhos!
Lá dentro o coração
Só
tem soluços fúnebres, tristonhos!...
Nem
mais um sonho! nem uma ilusão!
Umas mortas
em flor, outras inertes,
Nostálgicas
estrelas dos espaços
Caídas!
Olha-as, mas não n'as despertes!
Paz
dorida e cruel de Campo-santo!
Lacrimoso
crepúsculo sagrado!
Nem a lava do pranto
Pode
agitar este vulcão parado!
Sonhos esparsos,
Grinaldas
murchas de esperanças: mortas,
Melancólicas,
frias, absortas
Utopias
altivas! Ah, querida!
Sem
teu amor, escuta, é minha vida
Como
um mar de sargaços!
* * *
MEU CACHIMBO
I
Companheiro das noites desoladas,
Das desoladas noites que se escoam
Lentas como aves que no azul revoam
À languidez das tardes acolchoadas;
Quando em meu peito as dores abotoam
– Larvas famintas e desesperadas
–
E as ilusões, fugindo apavoradas,
Nênias
e nênias lúgubres entoam;
Oh,
meu amigo, como eu te amo, quando
Distrais-me
a minha dor, a acalentando,
E
acalentando as minhas rudes mágoas.
Ao menos tu me sabes enganar
Na vida, o bravo e tumultuoso
mar
Onde rasguei o coração nas
fráguas.
II
Teu fumo branco, vaporoso e ondeado
Em
frias espirais subindo, passa
Como o nectáreo líquido da taça
Desenervando o espírito alquebrado.
Perfuma
o ambiente e, trêmulo, esvoaça
Como
um sonho de amor nobre e elevado
Purificando
um coração magoado
Das dolorosas fezes da
desgraça.
Quando
sombrio e triste, o desalento
Prostra-me,
inerte, pálido e doente
Da
solidão na dolorosa via,
Nesse deserto e lúgubre Sahara
Tens
o poder, tens a virtude rara
De adormecer a minha nostalgia.
* * *
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