sábado, 29 de agosto de 2009

Poemas com a letra M




          MAGOADA

                 Corpo de anjo, coração de hiena!
                                     PAULA NEI

Vais desdenhosa e pálida passando
No vitorioso azul da adolescência,
Como uma flor ao sol se estiolando,
Perdendo as cores e perdendo a essência.

Freme teu riso arregaçando a rosa
Do lábio ungido de ironia e dor!
E és sempre a mesma, cândida orgulhosa,
Olhar de hiena, coração de flor!

E hás de viver assim eternamente
Altiva e fria, irônica, impassível,
Alma d'anjo mimosa e recendente
Cedo crestada ao sopro do impossível!

Subiste ao céu no teu amor primeiro
D'onde caíste inopinadamente!
E viste frio, ó coração ardente!
Morrer teu sonho branco e feiticeiro!

Tem o triste gemer das casuarinas
O teu sereno olhar, deusa sombria –,
E a luz crepuscular da nostalgia,
E a majestade de um palácio em ruínas!

                          *  *  *




MÁGOAS


   Eu sinto n'alma o fúnebre vazio
   Que o ninho sente quando a pomba voa.

   JOÃO DE DEUS DO RÊGO


Por que essa flor que encerra a nossa vida,
Na melindrosa ânfora guardada,
Treme, pálida e fria, sacudida
Por tua mão angélica, de fada?


Por que das minhas utopias santas
O vôo cortas quando as tenho presas,
À tua boca e à tua voz – se cantas,
Às tuas mãos e ao teu olhar – se rezas?


Por que deixaste, pérola, a queixosa
Concha cheia de amor e de martírio?
Por que deixaste este luar, ó rosa?
Por que fugiste deste orvalho, ó lírio?


Pois bem, deixa que eu gema e que sucumba
Com teu retrato no meu coração,
E vá de solidão em solidão,
A procurar o amor de tumba em tumba.


Deixa! e nem tentes mais chamar à vida
Meu coração desesperado e frio
Que anda no mar da Dor como um navio
Na escuridão da noite indefinida!

                    *  *  *



                  MAL ÍNTIMO



Esta amargura funda, esta inclemência
Atra e brutal que me persegue, e mata,
Como um veneno, as flores cor de prata
Da minha entristecida adolescência;


Este ambiente de corrupta essência
Onde o Tédio os seus flóculos desata;
Este vento de dor que me arrebata,
Os sonhos de fulgor transparência:


Toda esta amarga e triste decepção,
Esta da vida cética ironia,
Esta contínua e trágica aflição,


Este simoun do mal veio-me um dia,
Por não possuir teu peito um coração
 Quando no meu um coração batia!

                       *  *  *



  MANHÃS DE OUTUBRO



Frias manhãs de Outubro, neblinosas,
Cheias de aroma, cheias de tristeza
Para minh'alma que se estorce presa
Nas roscas das saudades angustiosas,


Sois para mim como esfolhadas rosas
Cobrindo o altar onde minh'alma reza,
E onde arde noite e dia sempre acesa
A lâmpada das dores tormentosas.


Frias manhãs de Outubro, eu vos adoro
Mesmo cheias do pranto das neblinas
Que é como o pranto que eu de noite choro.


As vossas névoas trêmulas e finas
São como contas pálidas; e eu oro
Vendo-as descer, as pálidas neblinas!

                    *  *  *


MAR DE SARGAÇOS

Olha o Mar de sargaços. Na extensão
Que o raio visual abarca e alcança
Somente a fria e pálida amplidão
Do céu destaca-se, e uma cor mais viva
        Mais colorida lança
Naquela triste paz imota e hedionda!
Mar sem o indício de uma vida ativa
        Sem o rumor da onda.

A água embaixo das plantas não murmura,
Não mostra a face adormecida e fria,
Coberta toda a líquida planura
De detritos, estende-se sombria.
É triste o aspecto desse mar estígio:
Acres destroços, algas, negro limo
Podre e perpétuo sobrenada ao cimo...
Mar sem vagas altivas, e da espuma
        Nem o menor vestígio.

Apenas sobre aquela estagnação
As gaivotas marinhas sacudindo
As amplas asas brancas, a soidão
Povoam desse mar, ou construindo
Os ninhos sobre as algas, ou fendendo
Em longo bando os desolados ares...
Ali não viça a flor dos nenufares
O orvalho recebendo!

A tempestade bruta, 
Que as brutas asas sobre os flancos bate
Do Oceano e o faz arfar, rugir na luta
No tenebroso, colossal combate;
Deste outro mar a superfície morta
Não agita, não faz nascer-lhe a espuma,
Que, nesse estado comatoso absorta,
Ele assemelha-se a um lençol de bruma.

      Volta os teus olhos e olha
Querida, para mim: lê no meu rosto
E nos meus olhos lê, e folha a folha
Lerás minh'alma. A foice do desgosto
Segou cruelmente a messe dos meus sonhos!
Lá dentro o coração
Só tem soluços fúnebres, tristonhos!...
Nem mais um sonho! nem uma ilusão!

Umas mortas em flor, outras inertes,
Nostálgicas estrelas dos espaços
Caídas! Olha-as, mas não n'as despertes!
Paz dorida e cruel de Campo-santo!
Lacrimoso crepúsculo sagrado!
Nem a lava do pranto
Pode agitar este vulcão parado!

Sonhos esparsos,
Grinaldas murchas de esperanças: mortas,
Melancólicas, frias, absortas
Utopias altivas! Ah, querida!
Sem teu amor, escuta, é minha vida
Como um mar de sargaços!

                    *  *  *


         MEU CACHIMBO

I
Companheiro das noites desoladas,
Das desoladas noites que se escoam
Lentas como aves que no azul revoam
À languidez das tardes acolchoadas;

Quando em meu peito as dores abotoam
– Larvas famintas e desesperadas –
E as ilusões, fugindo apavoradas,
Nênias e nênias lúgubres entoam;

Oh, meu amigo, como eu te amo, quando
Distrais-me a minha dor, a acalentando,
E acalentando as minhas rudes mágoas.

Ao menos tu me sabes enganar
Na vida, o bravo e tumultuoso mar
Onde rasguei o coração nas fráguas. 

II
Teu fumo branco, vaporoso e ondeado
Em frias espirais subindo, passa
Como o nectáreo líquido da taça
Desenervando o espírito alquebrado.

Perfuma o ambiente e, trêmulo, esvoaça
Como um sonho de amor nobre e elevado
Purificando um coração magoado
Das dolorosas fezes da desgraça.

Quando sombrio e triste, o desalento
Prostra-me, inerte, pálido e doente
Da solidão na dolorosa via,

Nesse deserto e lúgubre Sahara
Tens o poder, tens a virtude rara
De adormecer a minha nostalgia.

                  *  *  *



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