sábado, 29 de agosto de 2009
Poemas com a letra O
O JORNAL
Trabalha o Homem, pensa:
Alarga a idéia os grandes horizontes,
Chocam-se os raios de diversas frontes...
Para uma Lei formar – rui uma Crença.
O Mar, para minar a rocha bruta,
Séculos bate impávido, terrível,
Luta da Força, atroz, contra Impassível
Que... não fala nem luta!
Guarda o solo nas áridas entranhas
Rico tesoiro, aurífero veeiro,
Mas, não resiste às vibrações estranhas
Da curva picareta do mineiro,
Que desce ao fundo das soturnas minas
Onde não vê do sol um raio loiro
E, ou fica sepultado nessas ruínas,
Ou traz ao sol o oiro.
Em tudo a força impera,
Bruta e terrível, válida e cruel!
Entanto há alguém que à Força diz: espera!
E ela curva a cerviz alta e revel!
Pois tem a calma intemerata e brava
Com que nos erros a verdade crava
A augusta autoridade da Palavra
Impressa no papel!
* * *
O MERGULHADOR
Por entre as algas e os corais passando
Desce ao fundo do mar – gigante inerme, –
Seu vasto seio escuro trespassando
Como se fora um pequenino verme,
O audaz mergulhador
Que lhe devassa o undoso coração,
Subindo após, vitorioso, à flor,
Com uma concha ou um coral na mão.
Quando ele desce às solidões marinhas,
As sereias às portas das cavernas
– Tristes paços de prófugas rainhas –
Cantam-lhe doces melodias ternas,
Suaves e sentidas;
E os monstros do oceano apavorados
Fogem, batendo as caudas bipartidas,
Dos pavorosos antros devassados.
E o Homem, no entanto, tateando o limo,
A base dos rochedos rebuscando,
Procura a concha do precioso mimo
A pérola – entre as fezes tateando,
No coração do oceano,
Longo o fôlego exausto e entorpecido
O corpo, frio do labor insano,
Nas salsas solidões quase perdido!
Mas o espírito age. Em brandas cores
Pinta-lhe a suavíssima alegria
Da volta, enfim liberto, dos pavores,
À luz do sol, às árvores, ao dia...
E ei-lo que desce mais
Para logo subir trazendo aos dedos
As pérolas mimosas e os corais
Das cavernas do mar e dos rochedos.
Boa criança que, comigo, sonhas
Num longínquo futuro de alegrias,
Inda entre as desoladas e tristonhas,
Murchas flores das nossas utopias;
Que me trouxeste a rir
O arrimo protetor de teu olhar
Quando, exausto, me senti cair
Farto da vida e farto de chorar;
Também, mergulhador, desci ousado,
Rasgando as ondas, contornando as fráguas
Da vida, mar indômito, assanhado,
Com o peito cheio de canções e mágoas.
De mágoas e de horrores!
Mas ao voltar à flor da vaga cérula,
Bani do coração mágoas e dores
Para guardar-te no meu seio, ó pérola!
* * *
O SEGREDO DO VENCIDO
Solidão! solidão! Mortalha enorme,
Noite maior em mim que na amplidão,
Que me estrangula o amor no coração,
Que tenta erguer-se e fatalmente dorme!
Polvo negro e brutal que me constringe
A alma em seus tentáculos viris,
Só me deixando ver os alcantis
Como através do olhar frio da Esfinge.
És, coração, cheio de amor e mágoas,
Eterno oceano a combater as frágoas
Da dúvida cruel, do tédio amargo!
Fere-te a entranha a tromba do penedo,
Mas da ferida guardas o segredo
E, blasfemando, vais chorar ao largo...
* * *
O SONO DO OLAVO
Ao Luís
O Olavo dorme, Luís;
Semelha o seu berço um ninho;
Olha que sono feliz
O Olavo dorme, Luís;
É o sono de um passarinho.
Tem na boquita infantil
Um sorrisinho brejeiro.
As rosas tenras de Abril
Tem na boquita infantil;
As rosas de um ano inteiro.
O Olavo a mim me parece
Todo vestido de rendas
Uma quimera, uma prece...
Até o Olavo parece
Um altar cheio de oferendas!
Ei-lo que agora desperta,
Com que furor despedindo
A pontapés a coberta!
Não parece o que desperta
Com o que estava dormindo!
Tal como se ele esfregasse
Cem um lírio, a mãozinha agora
Esfrega os olhos, tenace.
Tal como se ele esfregasse
Os céus pra nascer a aurora.
Eis tudo feliz, enfim!
Ei-lo desperto, feliz,
A rir como um querubim.
Eis tudo feliz, enfim,
E eis-te pateta, Luís!
* * *
O ÚNICO OLHAR
A Antônio Carvalho
O único olhar que iluminou meu sonho,
Sonho de amor que me aclarou a vida;
Luar de crença do meu céu tristonho,
Rápida luz de estrela foragida,
Há quanto tempo, há quanto! no medonho
Subterrâneo da Ilusão perdida,
Não vem trazer-me, cândido e risonho,
A luz guiadora a esta alma combalida!
Outros olhares vejo noutro rosto:
Fluxuosos como o brando mar de Agosto,
E às vezes puros como um céu risonho...
Mas na minh'alma abandonada, pia
A estrige augura da melancolia
Chorando o olhar do meu primeiro sonho!
* * *
O VELHO DO MAR
Sobre o negro rochedo escalvado e medonho,
Pendente sobre o mar,
A alma toda no olhar e todo o olhar em sonho,
Longinquamente a olhar;
Como um braço escarnado, ameaçador, menaz,
A praia triste e baça,
Ele o filho do mar, o pescador audaz,
Alonga a vista escassa.
Agitam do úmido vento as marinhas arfagens
Os cabelos do velho:
Neves que o tempo pôs, em contínuas romagens,
Num poente vermelho.
Como frechas de dor a trespassar em cheio
Piedosos corações,
A tristeza da tarde aninha-se no seio
Das glaucas solidões.
Espalmadas ao vento humilde as brancas asas,
As gaivotas esguias
Peneiram sobre o mar; e no Ocidente em brasas
Há rubras agonias.
Morre o sol, rola o sol vertiginosamente,
Navio que se perde
E mergulha do mar, às sombras do poente,
No imenso lençol verde.
Sob o barrete frígio a calva austera, aguarda
O velho pescador
Debruçado na rocha a noite que não tarda
Cheia de paz e amor.
Enche a maré, vaza a maré, e mudo, fica
Ansioso, o vácuo a olhar
O velho, e o que ele quer seu lábio não explica,
Ninguém o ouve falar.
Quase coberta peja rocha onde ele espera
Abriga-se uma casa,
Porta fechada e o ar mudo de uma tapera,
Ninho sem ter uma asa.
As paredes senis o limo verde cobre,
E a salsugem do mar
Esfria-a e beija-a como os ombros vis de um pobre
A neblina do ar.
E o velho alonga a vista; espraia-a pela triste
Solidão do oceano;
Nem um bote que oponha ao vento a vela em riste
Sobre o profundo arcano!
Às vezes sobre aquele agitado lençol
Resvala uma asa ansiosa,
Se avermelha no ar pelo sangue do sol
E foge vertiginosa.
E ele espera, ele espera a filha que não volta
Na imensidão deserta
Cravada a vista, e a alma em desespero envolta
Alucinada, incerta.
D'antes era feliz; dessa paixão primeira,
Único amor que teve,
Ficou-lhe a filha, e a vida exausta de canseira
Era-lhe quase leve.
De altos mastros e aberta ao vento a grande vela,
Na tranqüila enseada
Entra um navio estranho: era uma caravela
Que ali veio arribada
E um dia, ao levantar o ferro, do estrangeiro
O destino seguindo
Foi-se-lhe a filha, o beijo ansioso e derradeiro
Da que morreu sorrindo.
..................................................................................
Morre o sol. Chega a noite. A água dorme tranqüila.
Ele acordado espera,
Se olha o céu julga ver o azul de uma pupila
E ao longe uma galera.
* * *
OH, DEIXA-ME CHORAR!
Oh! deixa-me chorar! não me despertes
Da letargia atroz do desalento!
Procuro ansioso a paz, o esquecimento;
Dormem meus sonhos pálidos e inertes;
Embalde d'alma carinhosa vertes
Consolações; nas roscas do tormento
Duvida e zomba o coração friorento
E à confiança antiga o não convertes.
Foi-se-lhe o dia; vem a noite agora,
Noite infinita sem rubor de aurora
Jamais na torva e fria imensidade!
Que amarga e trágica irrisão, querida!
Tu que já foste o sol de minha vida
És o morto luar desta saudade!
* * *
OLHA-ME
Nessa meiguice imaculada
De teu olhar, pomba adorada,
Há a luz virgínea da alvorada
E o arminho tenro do luar;
Cálix de flor, frouxel de ninho,
A maciez casta do linho,
Toda a ambrosia do carinho
Destila a luz do teu olhar!
Minha ideal aspiração!
Meu sonho azul, minha ilusão,
Onde eu descanso o coração
Como uma hóstia num altar;
Casta, gentil, piedosa e mansa
Tua alma de anjo ri d'esp'rança,
Ó virginal, meiga criança,
Olha-me e deixa-me sonhar!
* * *
OS CAJUEIROS
A longos haustos sorvo o aroma dos cajueiros.
Quando menino aí passei dias inteiros
Nessa quinta a brincar. Que júbilo! Que gosto!
Começam a florir mal vem chegando agosto,
De Setembro a Outubro então chegam os frutos
Que loirejam ao sol pelos dias enxutos,
Como pingentes d’oiro aos ramos pendurados,
Pois são de oiro na cor e pelo sol doirados.
Levantava-me cedo, ia ao banho e ao passar
Levava-os para o rio onde ia me banhar.
Manhãzinha. Passava um vento fresco e brando
De leve, a água parada aos poucos arrepiando
Numa carícia terna, um murmurinho vago.
Sacudia os cajus para o meio do lago,
E atirava-me após, nadador vigoroso,
Mergulhando e saindo além vitorioso,
Todo impando de orgulho e de satisfação
Com três frutos ou mais, talvez, em cada mão!
Aos domingos então depois do meio-dia
Era melhor o bródio e maior a folia:
Largava-me de casa e mais dois companheiros
E íamos a rir à sombra dos cajueiros,
Com muitíssima dor dos verdes periquitos
Que fugiam gritando, ouvindo os nossos gritos.
Tinia o sol varando a ramaria densa;
E na calma viril daquela paz imensa
Nos ninhos entre a cerca as pardas rolas bravas
Cantavam docemente as canções sem palavras.
Tranqüilo àquela hora, entre altas ribanceiras
Dormia o rio à sesta, e as velhas lavadeiras
Com seus chapéus de palha a resguardar-lhe o ardor
Do sol, iam botando a roupa ao corador.
Atravessando o rio a ponte negra estava,
E, de longe observada, às vezes, semelhava
Com seus varões de ferro esguios, o esqueleto
De algum animal antigo, estranho, absoleto,
Onde o vento encanando às vezes, arrancava
Sons de ferro, cruéis, de uma plangência brava.
E entre os pios de rola e o soluçar das fontes
Encobrindo a nudez dos calvos horizontes,
O cajueiral ondeava as comas triunfais,
Transudando do seio aromas virginais.
Às vezes a rajada áspera vinha, e então
De frutos de oiro ao sol se estrelejava o chão.
Estas árvores são minhas velhas amigas;
Têm já fora do solo as raízes antigas,
E dos troncos senis corre a resina, qual
Pranto eterno a correr de eterno lacrimal.
Algumas sem vigor, sem seiva, os galhos nus,
Elevam, espectrais, a fronte para a luz
Inclemente do sol. D’outras só resta o tronco
Lascado pelo raio, estéril, seco, bronco;
Àquela falta um galho e pende para a terra
Como um velho soldado inválido da guerra.
Algumas são assim como avezinhas trêmulas,
Deixando-se passar pelas mais novas, êmulas
Já de sua passada opulência fecunda.
E o sol que a viu nascer, frutificar, inunda
De luz a árvore nova e a árvore velha deixa
E ela morre a sorrir, como os avós: sem queixa.
Hoje quando visito a velha quinta, lembro
O que gozava aí pelo mês de setembro,
Das manhãs joviais desse passado caro
E contemplo-as com dor e pensativo paro
Sob essa ramaria, eternamente verde,
Onde a vista saciada, indecisa, se perde.
Perto ouvindo do rio o murmurio brando
Das margens pela sombra idílios murmurando
As endechas do vento, o rumor da folhagem.
Das rolas as canções na cerca junto à margem,
E no fundo esfumado e triste do horizonte
O perfil esquisito e válido da ponte:
A longos haustos sorvo o aroma dos cajueiros
E sinto a nostalgia atroz dos forasteiros.
* * *
OS CRAVOS BRANCOS
A Waldemiro Cavalcânti
Dedicatória
Aquela a quem meu ser, ajoelhado, rende
O culto mais profundo, o amor mais ideal,
Essa estrela que na alma a inspiração me acende
Como o sol faz florir as violetas do val,
Estes versos dedico, este sonho ofereço,
Onde canta a esperança o seu canto risonho...
Em seus olhos de criança eu o pesar esqueço!
Foi Ela quem me deu o meu primeiro verso,
O meu primeiro amor, o meu primeiro sonho.
I
Os Cravos Brancos
Cravos brancos, cravos brancos como o leite,
Que as noivas levam para a Igreja ao ir casar,
Cravos da cor das escumilhas do corpete,
Brancos de espumas atiradas pelo mar.
Cravos brancos invejados pelos goivos,
Cravos brancos que de brancos dão vertigens;
Cravos que são como hálitos de noivos,
Beijos de noivos embaciando mãos de virgens!
Cravos brancos, cravos brancos, lágrimas d’anjo,
Cravos de Maio cor de leito de noivado;
Cravos do luar que sorri como um arcanjo
A meditar no seu castelo enamorado.
Ó cravos brancos! Brancas flores misteriosas,
Seios ireis agasalhar com vossas neves,
Seios macios como pétalas de rosas,
De carne rija, sangue quente e curvas breves.
Flores dormentes de volúpia e de desejos,
Sempre a sonhar presas aos seios das donzelas,
Amarrotadas pelo fogo de seus beijos
E sempre brancas, sempre puras, sempre belas!
Flores que noivas levam presas na caçoula
Das mãos de arminho, cravos brancos, para o altar,
Para, ao voltar com as faces da papoula,
Dá-los às virgens para logo irem casar.
Cravos brancos como as mãos da minha amada,
Quando eu descer à terra fria, num caixão,
Desabrochai, brancos soluços d’alvorada,
Ó cravos brancos que plantei no coração!
II
Desabrochando
Os cravos brancos vão abrir agora.
Ronda o luar no céu e há silêncio na terra.
Dorme ao longe, ao luar sonhando, a serra...
Os cravos brancos vão abrir agora.
Múrmuros ventos pelo ar soluçam,
Cessa o rumor na terra e anda o luar no céu;
As nebulosas pálidas se embuçam
Da via-láctea no cerúleo véu.
Os cravos brancos vão abrir agora:
Há silêncio na terra.e anda no céu o luar
Erram estrelas pálidas a orar,
E o azul se arqueia sobre a terra e ora.
A madrugada cândida desponta:
Enrubesce o Levante anunciando o dia.
Canta aleluia o vento que esfuzia...
A madrugada pálida desponta.
Pelos rosais anseia a viração.
Pensativo no céu anda o luar agora...
Cai mais frio o sereno e aponta a aurora,
Como um amor dentro de um coração.
Das longínquas paragens levantinas
Desce o carro da aurora altivo aos solavancos;
E à manhã abotoam-se as bobinas
E abrem-se os cravos brancos.
III
Ao Luar
Abro a janela. O luar canta no espaço e alaga
Tudo, possante assim como uma inundação.
Subjugando a noite o escuro tredo esmaga,
É um combate fatal, uma revolução.
Por toda a parte a rir sua luz se propaga.
Acorda o lírio e doira a grama pelo chão,
Vai ao mar e incendeia a espuma sobre a vaga,
Branqueia a rocha e faz a nuvem de algodão.
Fura a tapeçaria espessa da folhagem,
Dilui-se, corre, vaza, inunda, e, na viagem,
Desce como um rastilho às fragas, aos barrancos.
Vai aos rosais em flor, bole nos jasmineiros,
Aromatiza o ar, murmura. E nos canteiros
Para ver o luar abrem os cravos brancos.
IV
Nupcial
Ó cravos virginais! sereis um dia
Minha auréola de glória e o meu perdão,
Quando eu entrar na vida pela mão
Dessa que existe no meu coração,
Cheio de mágoa e de melancolia.
Quando o incenso deixando os incensários
Subir aos santos, aromatizando
Ao mesmo tempo os santos e os sacrários,
E a Igreja cheia e o padre abençoando
Entre o flébil rumor de cantos vários;
Quando ela casta, meiga e enrubescida
Pousar na minha a sua nívea mão:
A alma em sonhos de amor embevecida
Tendo, e tendo ansiosa e comovida
O amor nos olhos e no coração;
Há de o ramilhete ser que ela segure
Unido aos seios cândidos, trementes,
De cravos brancos, úmidos, florentes,
Flores nascidas ao luar, e albentes
Como uma vida onde a ilusão perdure.
E quando em nossa alcova o luar errante
Entrando for beijar o nosso leito,
Do seu bouquet o aroma inebriante,
E a brancura dos cravos palejante
Fá-lo-ão chorar de mágoa e de despeito.
As virações irão silenciosas,
Entristecidas, melancolizadas,
Em silêncio passando junto às rosas,
Pois levarão as asas preguiçosas,
De tanto serem aromatizadas:
E tu, anjo, e tu, pura, e tu, criança,
Ó meu amor! minha religião!
Sol longínquo da última esperança
Que me alumia quando a noite avança,
Que me encaminha pela escuridão!
Mulher que entre as mulheres procurei,
Com teus sorrisos cândidos e francos,
Com teu amor – oásis que aspirei –
Cobre minh'alma como eu juncarei
Essa alcova nupcial de cravos brancos!
* * *
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário