NÁUFRAGO
Eis-me náufrago e só, na vastidão
Da praia desolada,
Aonde o mar – indômito leão –
Esmaga a onda fria e angustiada.
Eis-me náufrago e só! Áspero e frio
Corta-me o vento os ombros
E o firmamento triste, ermo e sombrio
Tem a mudez inerte dos assombros.
Eis-me náufrago e só! Como um lamento
Que sai da escuridão de subterrâneo,
Vem-me nas asas trêmulas do vento
O grito surdo, fúnebre, titâneo,
Que o mar solta do peito truculento
E a alma nos corta, agudo e subitâneo,
Como uma flecha o azul do firmamento!
Eis-me náufrago e só! A alma inda presa,
Tonta da luta, trêmula,
De angústia chora, se ajoelha e reza!
E a onda – alma do mar – da nossa êmula,
Vemo-la forte a rugitar e vemo-la
Morrer na praia onde o silêncio pesa.
Eis-me náufrago e só! Triste, cansado,
Meditativo, absorto!
Meu coração no peito angustiado
Precisa de carinho e de conforto.
Eis-me náufrago e só! A ave que passa
Riscando o azul puríssimo do céu
E sente as asas súbito quebradas
Pela bala certeira da desgraça
Talvez não sinta tanto como eu!
Eis-me náufrago e só! Oh! minha irmã,
Meu derradeiro altar imaculado!
Choro por ti à luz desta manhã;
E o pranto quente, doloroso, brando,
É o amor que da alma me rebenta, quando
O coração estorce-se magoado!
Oh! minha Mãe! que sofrimento infindo,
Quanta angústia cruel, pesar e dó,
Sinto ao saber que tu me esperas rindo,
Sem pressentir que estive sucumbindo!...
...................................Eis-me náufrago e só!
* * *
NO CAMPO
I
Cai o vento da tarde.
As folhas secas no espaço remoinhando
Lembram bandos de pombas levantando
O vôo, de assustadas...
Passam rindo e cantando
Comboieiros além pelas estradas.
Na calma do sol poente
Vem sobre os campos uma paz austera.
Balam saudosamente
Os rebanhos que descem dos oiteiros;
Correm, saltando, os trêfegos cordeiros
Ao curral que os espera.
Dois pombos num telhado,
Alvinhos como a pluma de algodão,
Num idílio sagrado
Noivam sob as cortinas da amplidão.
É quase noite. O poente
Inda apresenta um luzimento de oiro...
Urra furiosamente
No fim da várzea um corpulento toiro,
Moitas torcendo e levantando poeira...
No alpendre onde me acho
Passa um morcego e agita, voando baixo,
As duas asas moles como cera...
II
Doiram-se ao longe os cimos dos oiteiros
Aos moribundos raios do sol-poente;
Recolhe o gado ao canto dos vaqueiros,
E os bezerrinhos berram longamente.
A noite desce religiosamente,
Recebem-na as boninas nos canteiros.
E as corujas nas cercas, nos aceiros,
Soltam seus pios, lúgubres, plangentes.
Nos brejos, nos açudes, nas vazantes
Cantam sapos; e, trêmulos, errantes,
Os pirilampos surgem nas encostas...
E entre listrões de púrpura, vermelhos,
A serra é como um homem de joelhos
Tendo um globo de fogo – a lua, às costas.
* * *
NO MAR
No abismo do Ocidente o sol se despenhava.
Chorava o mar embaixo e o céu no alto chorava.
Frio, o vento gemia entre as cordagens; fria
A noite entre o oceano, entre trevas, descia.
Retalhando os cachões de espuma salitrosa
A proa morde a vaga escura e pavorosa.
Pouco a pouco no céu as pálidas estrelas
Vão destilando a luz mais pálida do que elas.
Recosto-me à amurada e escuto o choro amargo,
Profundo, misterioso e triste do mar largo.
Sinto abrir-se-me n'alma a flor do sentimento
À tristonha surdina histérica do vento.
E cismo sob o céu, sobre o mar embalado,
Folheando o poema augusto do passado.
Vaga saudade vem, melancolia vaga
Que me afaga o sonhar e que minh'alma afaga,
Entornando em meu peito a luminosidade
Crepuscular, suave e branda da saudade.
E enquanto o mar entoa a longa litania
Repassada de dor e de melancolia,
Enquanto geme a onda e se desfaz a espuma
Na proa do navio, eu vou, uma por uma,
As folhas percorrendo, alvas como visões,
Do poema do amor e das recordações.
NOITE AFORA
Há pouco na matriz deram dez horas.
Calma aparente fora; aqui, soturna,
Triste vigília; a pavidez noturna
Das longas noites lentas, sonhadoras.
Só no meu quarto, a luz da lamparina
Trêmula doira a minha solidão.
Silêncio triste. As dores em surdina
Vão dar meia-noite no meu coração.
Ventos da noite frios, ventos frios
Passam bulhando fora aos assobios,
Zunindo pelas frinchas da parede...
Dormem sorrindo as brancas inocências,
E anda o remorso pelas consciências
Como um lobo perdido, que tem sede.
* * *
NOTURNO1
Nos altos céus a lua corre douda,
Quase morta, de susto estarrecida,
Com uns ares de loba perseguida.
A treva espreita. Uiva a tristeza em roda.
Conspira o vento pelos arvoredos
Passando a senha aos tristes conjurados.
Rosna a traição. É a noite dos segredos...
Cochicham para a lua os namorados.
Pia ao longe a coruja: é a sentinela,
Alerta! Pronto! (Como a noite é bela!)
Morre, vil! Por Jesus! Perdão, perdão!
Vibram ainda os merencórios ecos...
Sobre um leito de sonhos secos, secos,
Geme alguém no meu peito: – é o coração.
* * *
NOTURNO2
Por estas horas da noite,
Lentas e misteriosas,
Quando dos ventos o açoite
Arranca um frêmito às rosas,
E pensativas, as almas
Se elevam, calmas, piedosas,
Ao sonho, piedosas, calmas,
Do crisol das fantasias
Sobem átomos risonhos:
As pombas das utopias,
As andorinhas dos sonhos.
Amor! amor! Se despertas
Doiram-se os cimos medonhos
Das penedias desertas.
Velhos amores murmuram
Dentro do meu coração;
São almas presas, procuram
Ao luar a redenção.
E vão (constância que admiro!)
Do sonho à recordação
E da saudade ao suspiro.
Deus a suprema coragem
Uniu à suprema dor:
Dá-me heroísmo a sua imagem:
Mas, mata-me o seu amor.
E a alma de luta em luta
Morre de horror em horror
E de cicuta em cicuta.
Velhos amores! Estrela
Das brumas do meu passado!
Brilha na sombra o olhar dela
Tão nobre... mas tão magoado!
Cobrem nuvens a amplidão,
Chora o mar desesperado...
Silêncio, meu coração!
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