sábado, 29 de agosto de 2009

Poemas com a letra N




NÁUFRAGO

Eis-me náufrago e só, na vastidão
           Da praia desolada,
Aonde o mar – indômito leão –
Esmaga a onda fria e angustiada.

Eis-me náufrago e só! Áspero e frio
           Corta-me o vento os ombros
E o firmamento triste, ermo e sombrio
Tem a mudez inerte dos assombros.

Eis-me náufrago e só! Como um lamento
Que sai da escuridão de subterrâneo,
Vem-me nas asas trêmulas do vento
O grito surdo, fúnebre, titâneo,
Que o mar solta do peito truculento
E a alma nos corta, agudo e subitâneo,
Como uma flecha o azul do firmamento!

Eis-me náufrago e só! A alma inda presa,
           Tonta da luta, trêmula,
De angústia chora, se ajoelha e reza!
E a onda – alma do mar – da nossa êmula,
Vemo-la forte a rugitar e vemo-la
Morrer na praia onde o silêncio pesa.

Eis-me náufrago e só! Triste, cansado,
            Meditativo, absorto!
Meu coração no peito angustiado
Precisa de carinho e de conforto.

Eis-me náufrago e só! A ave que passa
Riscando o azul puríssimo do céu
E sente as asas súbito quebradas
Pela bala certeira da desgraça
Talvez não sinta tanto como eu!

Eis-me náufrago e só! Oh! minha irmã,
Meu derradeiro altar imaculado!
Choro por ti à luz desta manhã;
E o pranto quente, doloroso, brando,
É o amor que da alma me rebenta, quando
O coração estorce-se magoado!

Oh! minha Mãe! que sofrimento infindo,
Quanta angústia cruel, pesar e dó,
Sinto ao saber que tu me esperas rindo,
Sem pressentir que estive sucumbindo!...
...................................Eis-me náufrago e só!

                  * * *


            NO CAMPO

                        I
         Cai o vento da tarde.
As folhas secas no espaço remoinhando
Lembram bandos de pombas levantando
         O vôo, de assustadas...

         Passam rindo e cantando
Comboieiros além pelas estradas.

         Na calma do sol poente
Vem sobre os campos uma paz austera.
          Balam saudosamente
Os rebanhos que descem dos oiteiros;
Correm, saltando, os trêfegos cordeiros
         Ao curral que os espera.

         Dois pombos num telhado,
Alvinhos como a pluma de algodão,
         Num idílio sagrado
Noivam sob as cortinas da amplidão.

         É quase noite. O poente
Inda apresenta um luzimento de oiro...
         Urra furiosamente
No fim da várzea um corpulento toiro,
Moitas torcendo e levantando poeira...

          No alpendre onde me acho
Passa um morcego e agita, voando baixo,
          As duas asas moles como cera...

                          II

Doiram-se ao longe os cimos dos oiteiros
Aos moribundos raios do sol-poente;
Recolhe o gado ao canto dos vaqueiros,
E os bezerrinhos berram longamente.

A noite desce religiosamente,
Recebem-na as boninas nos canteiros.
E as corujas nas cercas, nos aceiros,
Soltam seus pios, lúgubres, plangentes.

Nos brejos, nos açudes, nas vazantes
Cantam sapos; e, trêmulos, errantes,
Os pirilampos surgem nas encostas...

E entre listrões de púrpura, vermelhos,
A serra é como um homem de joelhos
Tendo um globo de fogo – a lua, às costas.

                            *  *  *



                     NO MAR

No abismo do Ocidente o sol se despenhava.
Chorava o mar embaixo e o céu no alto chorava.
Frio, o vento gemia entre as cordagens; fria
A noite entre o oceano, entre trevas, descia.

Retalhando os cachões de espuma salitrosa
A proa morde a vaga escura e pavorosa.
Pouco a pouco no céu as pálidas estrelas
Vão destilando a luz mais pálida do que elas.
Recosto-me à amurada e escuto o choro amargo,
Profundo, misterioso e triste do mar largo.
Sinto abrir-se-me n'alma a flor do sentimento
À tristonha surdina histérica do vento.
E cismo sob o céu, sobre o mar embalado,
Folheando o poema augusto do passado.
Vaga saudade vem, melancolia vaga
Que me afaga o sonhar e que minh'alma afaga,
Entornando em meu peito a luminosidade
Crepuscular, suave e branda da saudade.

E enquanto o mar entoa a longa litania
Repassada de dor e de melancolia,
Enquanto geme a onda e se desfaz a espuma
Na proa do navio, eu vou, uma por uma,
As folhas percorrendo, alvas como visões,
Do poema do amor e das recordações.

                       *  *  *


  NOITE AFORA

Há pouco na matriz deram dez horas.
Calma aparente fora; aqui, soturna,
Triste vigília; a pavidez noturna
Das longas noites lentas, sonhadoras.

Só no meu quarto, a luz da lamparina
Trêmula doira a minha solidão.
Silêncio triste. As dores em surdina
Vão dar meia-noite no meu coração.

Ventos da noite frios, ventos frios
Passam bulhando fora aos assobios,
Zunindo pelas frinchas da parede...

Dormem sorrindo as brancas inocências,
E anda o remorso pelas consciências
Como um lobo perdido, que tem sede.
                        *  *  *


NOTURNO1

Nos altos céus a lua corre douda,
Quase morta, de susto estarrecida,
Com uns ares de loba perseguida.
A treva espreita. Uiva a tristeza em roda.

Conspira o vento pelos arvoredos
Passando a senha aos tristes conjurados.
Rosna a traição. É a noite dos segredos...
Cochicham para a lua os namorados.

Pia ao longe a coruja: é a sentinela,
Alerta! Pronto! (Como a noite é bela!)
Morre, vil! Por Jesus! Perdão, perdão!

Vibram ainda os merencórios ecos...
Sobre um leito de sonhos secos, secos,
Geme alguém no meu peito: – é o coração.
                     *  *  *


NOTURNO2

Por estas horas da noite,
Lentas e misteriosas,
Quando dos ventos o açoite
Arranca um frêmito às rosas,

E pensativas, as almas
Se elevam, calmas, piedosas,
Ao sonho, piedosas, calmas,

Do crisol das fantasias
Sobem átomos risonhos:
As pombas das utopias,
As andorinhas dos sonhos.

Amor! amor! Se despertas
Doiram-se os cimos medonhos
Das penedias desertas.

Velhos amores murmuram
Dentro do meu coração;
São almas presas, procuram
Ao luar a redenção.

E vão (constância que admiro!)
Do sonho à recordação
E da saudade ao suspiro.

Deus a suprema coragem
Uniu à suprema dor:
Dá-me heroísmo a sua imagem:
Mas, mata-me o seu amor.

E a alma de luta em luta
Morre de horror em horror
E de cicuta em cicuta.

Velhos amores! Estrela
Das brumas do meu passado!
Brilha na sombra o olhar dela
Tão nobre... mas tão magoado!

Cobrem nuvens a amplidão,
Chora o mar desesperado...
Silêncio, meu coração!



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